A figura do homem que captura crianças e as leva embora dentro de um saco, mito que atravessa gerações, culturas e infâncias, ganha no longa-metragem “O Homem do Saco” uma roupagem moderna, mais próxima da falência familiar e da paranoia cotidiana do que de qualquer lenda folclórica. Dirigido por Colm McCarthy, o filme parte de um medo infantil e o insere no coração da vida adulta, onde o terror não vem apenas da criatura, mas da incapacidade de reagir com lógica ao perigo.
Patrick McKee, interpretado por Sam Claflin, é um pai fragilizado após uma queda financeira e um retorno forçado à serraria da família. Ao lado da esposa, Karina (Antonia Thomas), tenta reorganizar a vida, mas um mal-estar inexplicável começa a se instalar: algo ronda a casa, algo observa o filho pequeno. O filme se estrutura nessa tensão quase doméstica, um tipo de horror que não grita, mas corrói. No entanto, é justamente nesse jogo que “o Homem do Saco” começa a tropeçar, porque, por mais que a atmosfera seja densa e bem construída, há decisões narrativas que desafiam a mínima lógica da sobrevivência.
O problema não está na presença do monstro, mas na ausência de razão. Pais que sabem que há uma ameaça decidem dormir juntos e deixar o filho sozinho no quarto? A sequência tem a ver com o medo coletivo de encarar o irracional, mas o roteiro transforma a vulnerabilidade em incoerência. É o tipo de falha que quebra o pacto entre espectador e narrativa, o momento em que deixamos de acreditar que alguém realmente quer viver.
Ainda assim, há algo magnético no ritmo do filme. McCarthy domina a criação de ambientes: o som da madeira cortando, o ranger das estruturas, o breu das florestas que parecem absorver a luz, tudo remete a uma ancestralidade do medo, àquela sensação de que a natureza observa e julga. O vilão, embora pouco explorado, é eficiente naquilo que propõe: não é um demônio de contos, mas um arquétipo, a materialização da culpa e da omissão. Ele não surge (jamais “surge”, ele se insinua), como se o terror existisse antes mesmo de o vermos.
Mas “O Homem do Saco” não se sustenta apenas pelo que insinua. A construção dos personagens é desigual, e o terceiro ato, ao tentar ser surpreendente, se perde em atalhos previsíveis. O clímax é interessante, mas o desfecho parece um eco apressado do que o filme prometia. Falta uma elaboração que justifique a força simbólica da proposta: se o vilão é o reflexo de uma sociedade que negligencia suas crianças, onde está a responsabilidade dos adultos nessa fábula moderna? O roteiro se aproxima de algo maior, uma crítica sobre o medo burguês de perder o controle, mas recua antes de tocar o nervo.
Ainda assim, há méritos inegáveis. O longa conserva uma atmosfera sufocante e algumas cenas de verdadeiro desconforto psicológico. É o tipo de terror que não assusta pelo susto, mas pela inquietação persistente. “O Homem do Saco” trabalha com a ideia de ausência, a ausência da razão, do cuidado, da empatia, e nisso encontra um subtexto poderoso. É possível que o filme não seja brilhante, mas é honesto em seu desconforto: fala de uma sociedade que se distrai enquanto o mal se organiza à margem.
O que impacta não é o medo da criatura, mas a constatação de que o horror raramente está fora de casa. O saco que o monstro carrega talvez seja apenas uma metáfora: um espaço escuro onde adultos depositam o que não querem encarar: seus erros, sua culpa, suas crianças. “O Homem do Saco” falha em alguns pontos, mas cumpre um papel mais incômodo que eficaz: o de lembrar que, no fundo, somos nós quem entregamos as chaves da porta para o medo entrar.
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