Há uma diferença fundamental entre o medo íntimo e o medo coletivo. O primeiro é silencioso, claustrofóbico e costuma se desenrolar na esfera da experiência pessoal; o segundo transforma o pânico em epidemia, dissolvendo fronteiras entre indivíduo e massa. “Possessão Nível 2”, sequência do fenômeno de terror regional que surpreendeu a crítica em seu primeiro capítulo, parte exatamente desse ponto. O diretor Krishnadev Yagnik abandona o confinamento familiar do filme anterior para explorar uma histeria de dimensões públicas, e, ao fazê-lo, troca a contenção pela vertigem.
A narrativa se passa doze anos após os acontecimentos originais. A família central ainda vive sob a sombra do feitiço que destruiu sua vida, quando uma série de eventos inexplicáveis em uma escola desencadeia um novo ciclo de horror. O mal, antes restrito ao espaço doméstico, agora se espalha entre adolescentes em transe, unidas por um comportamento hipnótico que elimina qualquer noção de vontade própria. A ampliação do cenário não é apenas geográfica, mas conceitual: o filme deixa de falar de uma maldição individual para questionar o colapso da racionalidade em comunidade.
Yagnik, que domina o ritmo e a construção da tensão, aposta em uma encenação mais caótica. O uso de planos longos e cortes abruptos cria um contraste entre controle e desintegração, espelhando a própria experiência dos personagens. Há momentos em que a mise-en-scène parece deliberadamente desorganizada, como se a desordem visual traduzisse a perda de sentido que assombra a trama. O espectador é lançado em uma zona de instabilidade, onde a lógica narrativa parece prestes a se fragmentar.
Ainda que o roteiro flerte com o excesso e sofra um certo esvaziamento na segunda metade, o núcleo emocional permanece firme graças às interpretações. Hitu Kanodia, no papel do pai que tenta restaurar um mínimo de ordem, sustenta o caos com uma presença contida e desesperada. Hiten Kumar, como o antagonista, oferece o contraponto: um vilão que encarna o fascínio pela destruição e o prazer em manipular. Já Janki Bodiwala, reduzida a um estado quase inanimado, impõe silêncio e inquietude, sua imobilidade torna-se mais perturbadora do que qualquer grito.
Se a primeira parte do filme era uma reflexão sobre a fragilidade da fé e da moral, esta sequência se aproxima mais de uma alegoria sobre a falência da razão moderna. O que começa como história sobrenatural se transforma em um estudo sobre controle, obediência e medo coletivo. A possessão, aqui, não é apenas espiritual: é política, cultural e psicológica. O mal se infiltra nos corpos não por magia, mas por sugestão, histeria e crença cega, elementos que definem qualquer sociedade em colapso.
O clímax, ainda que apressado, preserva uma coerência simbólica: a ideia de que o horror não termina, apenas muda de forma. O filme abandona o fechamento clássico para deixar o espectador suspenso entre dúvida e fatalismo. Não há catarse nem esperança; há apenas a consciência de que a irracionalidade é um contágio permanente. “Possessão Nível 2” pode não atingir o equilíbrio formal do primeiro filme, mas tem o mérito de pensar o terror como fenômeno coletivo, deslocando-o do sobrenatural para o social. No fundo, o verdadeiro pavor não está na maldição, mas na facilidade com que as pessoas aceitam ser possuídas.
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