Desligue o cérebro e assista essa comédia romântica levinha no Prime Video Divulgação / Gulfstream Pictures

Desligue o cérebro e assista essa comédia romântica levinha no Prime Video

Há algo de curioso na forma como o cinema romântico insiste em flertar com a própria caricatura, e A Outra Zoey parece saber disso. O filme se move como quem reconhece seus clichês e, em vez de escondê-los, decide convidá-los para dançar. É uma comédia romântica que se apresenta com a leveza das tardes ociosas e o cinismo das gerações que cresceram entre aplicativos de namoro e a exaustão de narrativas previsíveis. O resultado? Um híbrido estranho entre o conforto do déjà-vu e o desejo tímido de renovação, um filme que sabe rir de si mesmo, mas ainda teme ser realmente ousado.

O enredo gira em torno de uma jovem estudante de ciência da computação que, em meio a um acidente e um mal-entendido amnésico, é confundida com outra garota. A partir daí, ela mergulha num jogo de identidades e mentiras que, por algum motivo, o roteiro chama de amor. O ponto mais interessante, no entanto, não está na trama, um remendo de “Enquanto Você Dormia” com os maneirismos de produções do Hallmark —, mas na tentativa do filme de subverter o romantismo tradicional sem abdicar de sua doçura. “A Outra Zoey” quer criticar o clichê ao mesmo tempo que se aproveita dele. É um paradoxo delicioso, ainda que um pouco covarde.

Helena, se me permitem o tom ensaístico, vê nessa história uma tentativa de modernizar a comédia romântica sem renunciar à sua essência escapista. O “erro de identidade” é um pretexto para discutir a compatibilidade amorosa como equação lógica, como se algoritmos e coincidências pudessem medir afeto. Zoey, interpretada por Josephine Langford, é a mulher racional que despreza o romantismo até ser engolida por ele. O filme a pinta como alguém inteligente demais para se perder em uma mentira tão boba, e justamente por isso sua queda é simbólica. A personagem encarna a contradição das mulheres contemporâneas: racionais, independentes, mas ainda tentadas pelo conforto da ilusão romântica.

Drew Starkey, o Zach da trama, é o típico galã que parece saído de um catálogo genérico de streaming, bonito, carismático, mas incapaz de gerar conflito real. Sua função é menos a de personagem e mais a de projeção. Ele é o ideal possível, aquele que justifica a mentira, que torna suportável o desvario emocional de Zoey. O filme não se preocupa em desenvolvê-lo, e talvez nem devesse. Porque “A Outra Zoey” não fala sobre amor, mas sobre a necessidade de acreditar nele, mesmo que por engano.

Há, contudo, algo de encantador nessa ingenuidade metalinguística. Quando o filme replica diálogos típicos das comédias dos anos 90 e insere Andy McDowell no elenco, uma relíquia viva daquele tempo, ele se transforma num pequeno manifesto nostálgico. É como se dissesse: “Sim, já vimos isso antes, mas continuamos querendo ver.” Essa é a força das comédias românticas, e também sua maldição. Elas são confortáveis porque repetem o que sabemos, e frustrantes porque nunca sabem o que fazer com essa consciência.

Langford se sai bem dentro das limitações do roteiro. Sua Zoey tem brilho nos olhos, mas falta densidade: é uma jovem demais para o cansaço que o papel exige. A personagem mente, hesita, se contradiz, e o público a perdoa, porque no fundo ela é apenas a síntese de todos nós tentando parecer coerentes diante do caos emocional. O problema é que o filme não confia inteiramente em sua protagonista. Ele prefere protegê-la com diálogos que explicam demais e situações que nunca arriscam o absurdo. “A Outra Zoey” flerta com a comédia dos enganos, mas não tem coragem de mergulhar na farsa.

Há um tema subjacente interessante: o confronto entre afinidade intelectual e conexão emocional. O roteiro sugere que a compatibilidade, esse mito moderno herdado dos aplicativos, não é sinônimo de amor. É quase um ensaio disfarçado de romance adolescente sobre o erro como via de autodescoberta. A mentira de Zoey, ao fingir ser outra, permite que ela finalmente se veja. Há algo de freudiano e cômico nesse gesto: amar, afinal, é sempre um pouco fingir.

Ainda assim, o filme carece de intensidade. É gracioso, mas rarefeito. A direção prefere a segurança do previsível à vertigem do risco, e o humor, embora leve, nunca atinge o sarcasmo necessário para transformar o clichê em crítica. “A Outra Zoey” se aproxima da ironia, mas recua na última hora, como uma piada contada pela metade. Mesmo assim, é fácil gostar dele, talvez porque o filme não tenta ser mais do que um passatempo bonito.

O filme diverte, mas não toca; entretém, mas não transforma. E, paradoxalmente, talvez seja exatamente isso o que o torna sincero. “A Outra Zoey” é uma carta de amor às comédias românticas que já não sabem o que dizer, mas continuam tentando. É leve, autoconsciente e, de certo modo, honesto, um produto de uma era em que o romance se tornou algoritmo, e a ironia, a forma mais delicada de esperança.

O espectador que o assistir com expectativas modestas encontrará uma distração elegante, isenta da misoginia disfarçada que tantas vezes contamina o gênero. Há algo de progressista, ainda que tímido, no modo como o filme trata suas personagens femininas, sem puni-las por desejarem, mentirem ou simplesmente existirem fora da cartilha do amor romântico. Se não é revolucionário, é ao menos lúcido. E, no universo saturado das comédias fáceis, a lucidez já é uma forma de coragem.

Talvez “A Outra Zoey” não seja o “novo” que buscamos, mas é um passo. Um tropeço simpático em direção a um romantismo mais consciente, menos envergonhado de ser o que é. E se o amor continua a ser o maior clichê do cinema, que ao menos possamos rir com algum charme enquanto o vivemos, mesmo que seja por engano.

Filme: A Outra Zoey
Diretor: Sara Zandieh
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★