Oto subiu no alto do morro de terra e ficou lá, parado, imóvel, só os olhos se mexendo.
— Adi — chamou ele, sem virar a cabeça. — Vem ver este aqui.
Do outro lado daquelas terras, Adi fez que não ouviu, demorou a responder. Gostava de observar um pouco antes de emitir opinião. Apreciava o cultivo dos silêncios. Quando teve o ímpeto de sair da sombra, subiu também uma pequena elevação e ficou na mesma altura do amigo, com os braços cruzados e uma expressão rabugenta:
— O que foi?
— Aquele homem ali, está vendo? O que tenta tirar uma selfie com o sol.
Adi colocou as mãos sobre a testa, protegendo da luz forte que vinha de encontro. Olhou bem. Avaliou.
— Será que conseguiu?
— E eu sei? Está tentando já tem uns cinco minutos.
— Ah. É daqueles que acreditam em milagres.
O homem se contorcia todo, girava sobre si mesmo. Pecha e pose de viajante influenciador digital. Esticava o braço alguns milímetros a mais do que o corpo permitia, era isso que deixava clara sua expressão facial, entre o êxtase e o desespero. Ao seu lado, a mulher parecia lamentar as férias, a companhia, o casamento.
— Repara — disse Oto. — Ele quer o sol atrás, mas o rosto claro. Como se o sol o abraçasse de conchinha.
— Sim. Quer ser a luz e o foco ao mesmo tempo. É metáfora perfeita da espécie.
Ambos ficaram calados. Era melhor só observar. Tempo eles tinham de sobra mesmo, nunca que iriam sair dali. Até que o influencer finalmente desistiu, checou as imagens no celular, fez cara de quem não gostou de nenhuma. Enxugou o suor do rosto com um lenço xadrez e seguiu caminho, sem olhar para o sol, para a mulher, muito menos para o mundo movimentado ao redor.
— Orgulho é uma coisa admirável… — filosofou Adi. — Eles preferem acertar com o ridículo do que falhar com dignidade.
— O que é curioso em se tratando de seres que conseguem ser ridículos em tudo o que fazem — apontou Oto.
— É quando o acaso se transforma em método — sentenciou o outro.
Chegou mais gente. Eram adolescentes, uns sete ou oito. Não pareciam conversar entre eles — estavam mais atentos às telinhas que cada um carregava.
— Estão juntos? — perguntou Oto.
— Estão. Mas não sabem.
— Não olham para nada, né?
— Olham, sim. Só que sempre através dessas lentes. Desenvolveram uma nova forma de cegueira.
Uma senhora idosa, caminhando devagar, aproximou-se. Abriu sua bolsa, revirou até achar os óculos. Ela parecia querer observar cada detalhe, com paciência e determinação. Ficou ali um tempo, olhando, olhando.
— Gosto dessa — disse Adi. — Tem o jeito de quem não quer entender. Prefere só estar. Sábia.
Então a velhinha abriu a bolsa novamente e retirou de dentro um sanduíche de salame embrulhado em papel alumínio. Comeu devagar, saboreando cada naco, contemplando aquela paisagem arenosa cheia de buracos e pequenos montes.
— Talvez ela seja uma de nós — comentou Oto, sério, levemente emocionado.
— Talvez, sim. Mas faltam as garras.
O sino da igreja mais próxima badalou anunciando o meio-dia. Logo a idosa simpática terminou seu lanche e seguiu o passeio. Era aquele vaivém cotidiano, obediente, constante.
Do alto das duas montanhas de areia, os dois continuaram a vigiar o movimento, cada um em seu posto, como guardiões do absurdo. Lá embaixo, o vidro refletia o céu de outono. Dentro do recinto, Adi e Oto recolheram-se para as tocas. Estava quase na hora do tratador chegar para alimentar os suricatos do Zoológico de Ljubljana.