A comédia sempre foi a zona de conforto de Adam Sandler, um território em que o riso fácil compensava o enredo raso. Mas “Click” nasce justamente do atrito entre essa superficialidade e um desejo visível de amadurecimento. O filme parte de uma premissa absurda, um homem que encontra um controle remoto capaz de manipular o tempo, para construir algo que vai além da fantasia: uma parábola sobre o esgotamento moderno, a negligência afetiva e o preço de viver em “modo automático”. O humor está presente, sim, mas serve como uma fina camada que disfarça um núcleo de melancolia inesperada.
Michael Newman é um arquiteto obcecado pela carreira, escravo de prazos e de um chefe que personifica a cultura corporativa predatória. O controle que ele encontra, oferecido por uma figura excêntrica, meio anjo, meio cientista, é a materialização perfeita de um impulso contemporâneo: o desejo de acelerar a vida até o sucesso. No início, a ideia encanta. Pular discussões com a esposa, saltar doenças, eliminar esperas, tudo parece libertador. Mas cada avanço no tempo apaga também um fragmento de humanidade. O filme revela, com crueldade crescente, que a pressa é um tipo de cegueira: enquanto Michael acelera o caminho, a vida se apaga pelos cantos.
Há uma inteligência disfarçada sob o tom de comédia popular. Frank Coraci, diretor de confiança de Sandler, usa o artifício fantástico como metáfora para a anestesia emocional de uma geração. O riso, em muitos momentos, soa incômodo, como se o espectador percebesse, antes do protagonista, que o controle remoto é mais uma prisão do que um privilégio. E é quando o filme abandona a comédia e mergulha no drama que “Click” se torna algo raro na filmografia de Sandler: uma confissão de vulnerabilidade. A cena em que Michael revisita o último encontro com o pai, e percebe que não prestou atenção a nada do que foi dito, é o coração partido da narrativa. Não há piada que o alivie; há apenas a dor de ter desperdiçado o tempo que não volta.
Sandler, tantas vezes acusado de repetir caricaturas, encontra aqui uma dimensão emocional inédita. Ele interpreta o arrependimento com um desespero contido, como se o filme lhe oferecesse a chance de ser levado a sério pela primeira vez. E, de fato, há sinceridade em sua atuação: a comédia serve de disfarce para um ator que, enfim, parece disposto a olhar para a própria imagem. O elenco de apoio, especialmente Henry Winkler, em um papel breve, mas devastador, reforça essa tonalidade agridoce que sustenta o filme.
“Click” poderia ser apenas mais uma fantasia moralista sobre “aproveitar o presente”, mas evita o didatismo ao revelar que o verdadeiro castigo não é perder o tempo, e sim desperdiçar a atenção. O filme tem a coragem de afirmar que não há botão de “rebobinar” para os afetos, nem atalhos que substituam o convívio. O controle remoto deixa de ser um símbolo de poder para se tornar um espelho do vazio: o dispositivo que prometia autonomia apenas escancara o quanto estamos presos ao desejo de não sentir.
Essa mistura improvável de comédia e tragédia torna “Click” uma anomalia dentro da carreira de Sandler, e, paradoxalmente, sua confissão mais honesta. É um filme que começa como piada e termina como elegia, que ri do cotidiano apenas para lembrar que ele é finito. E talvez seja por isso que, entre risadas dispersas e lágrimas tardias, o espectador perceba o que Michael nunca teve tempo de compreender: que a vida só faz sentido quando se vive sem controle.
★★★★★★★★★★