Enquanto isso, na rodoviária de Quiprocó da Serra de Santo Grande do Sul, os aplicativos chegaram como quem quer se sentar no mesmo banco que ele, Seu Osvaldo, quepe alinhado na cabeça, sempre a postos no guichê mais garboso do recinto.
— Tá vendo isso, meu filho? — aponta para o celular de um passageiro. — Esse aqui não vem comprar passagem. Clica no botão e pronto: meu concorrente digital já faturou. E eu? Eu que levanto às cinco da manhã pra abrir o guichê?
Ele ajeita o boné.
— Não é boné, já falei. É quepe. Tá vendo que tem até um emblema bonito aqui no meio. Isso aqui era do meu tio-avô, que foi militar e lutou contra os nazistas lá na Segunda Guerra Mundial. Muito boa gente meu tio-avô, era homem honrado, família, não essa sem-vergonhice de militar de hoje em dia que fica querendo questionar a democracia e fazer balbúrdia quebrando tudo lá em Brasília.
Eu prefiro não entrar nessa conversa porque meu médico me proibiu de me exaltar.
— Todo mundo falando de Uber, de Pix, de inteligência artificial… — prossegue o Seu Osvaldo. — Mas que eu saiba, esses aplicativos não sabem cumprimentar ninguém, não oferecem cafezinho, não perguntam se você vai pegar o ônibus de quarenta lugares ou de cinquenta. Quem cuida do passageiro sou eu!
Fico quieto. Ele continua:
— Inteligência artificial? Não conheço nem a natural…
Eu tento argumentar que modernidade não é concorrência ruim. Que facilita a vida de todo mundo. Que é preciso ter essas inteligências algorítmicas como aliadas, não como inimigas. E elas ainda vão trazer mais clientes para a empresa de ônibus para a qual o Seu Osvaldo trabalha.
— Facilita nada — rebate, batendo com a mão no balcão. — Semana passada um rapaz queria passar de Roraima pra Porto Alegre pelo aplicativo. Não sabia nem o horário. Perguntou pra mim. Sabe por quê? Porque essas coisas aí, porque o celular não explicou direito!
E ele solta aquela gargalhada seca, olhando para a tela de computador à sua frente.
— Modernidade boa é quando não atrapalha quem trabalha.
Seu Osvaldo fica ali, sentado, contando passagem, observando os passageiros como se a vida inteira pudesse caber naquele balcão. O celular toca, faz bipe, envia notificação. Ele ignora.
E ninguém mais sabe se ele está bravo, indiferente ou apenas se divertindo. Então suspira fundo e olha para o telefone, que vibrou de novo:
— É, dizem que o mundo mudou. Só não sei para onde.