A mais bela história de amor do cinema francês nos últimos 5 anos chegou ao Prime Video Divulgação / Alamode Film

A mais bela história de amor do cinema francês nos últimos 5 anos chegou ao Prime Video

O amor tem a rara capacidade de vencer a passagem do tempo, afrontando a morte de que também é feita a natureza humana. O sentimento amoroso não se sujeita aos relógios e aos calendários, cria sua própria eternidade, carrega em si a força da renovação, transforma silêncio em poesia e cansaço em descobertas. O verdadeiro amor, ridículo, é maior que a carne, e perpetua-se no coração de quem sentiu crepitar o fogo que não se vê, não envelhece, apenas transforma-se em algo menos confuso. Talvez não exista um assunto que frequente mais a cabeça de roteiristas e diretores do que o sonho das relações sem conflitos, tão imaculadas quanto artificiais, e é em torno dessa a ideia que gira “Os Jovens Amantes”. Carine Tardieu contorna excessos, mirando o que fica quase oculto, subentendido, uma marca indelével do cinema francês que a diretora galvaniza com originalidade e vigor.

O roteiro de Sólveig Anspach (1960-2015), Raphaële Moussafir e Agnès de Sacy tem um quê do Michael Haneke de “Amor” (2012), ou de “Um Homem e uma Mulher” (1966), levado à tela por Claude Lelouch, mas escapa da condição de mero pastiche ao apostar na leveza e na ironia como elementos tão relevantes quanto a gravidade e o esplim. Tardieu maneja este último de forma a extrair dele uma das razões que tem movido Shauna Loszinsky, uma septuagenária de posses, enfrentando a morte de uma amiga próxima. Shauna vê sua amiga morrer e pensa em si mesma, no que fez nos últimos anos para merecer a vida ou até a velhice plácida, argumentos que a diretora esgrima com sensibilidade, dando prioridade a sequências nas quais o elenco surge em primeiríssimos planos, sem medo de denunciar suas rugas. Shauna conhece Pierre Escande, o oncologista responsável pelo tratamento, mas eles mal trocam palavra. São necessários quinze anos para que os dois voltem a se cruzar, numa conjuntura mais amena e mais promissora — ou quase. 

O amor entre Shauna e Pierre queima rápido. Ele vai atrás dela, os dois marcam um encontro na noite do jantar que a neta organizara para apresentar o novo namorado, e antes que ele lhe dê um beijo, Shauna avisa que está prestes a fazer 71 anos, ao que Pierre, um pai de família de 45, responde que quer ser convidado para a festa. Eles já iam despedir-se, mas são pegos por Cécilia, a filha de Shauna, que parece notar alguma coisa, mas mantém a discrição. Florence Loiret-Caille oferece um providencial respiro cômico, delicado, como tudo neste filme sobre paixões que não respeitam fronteiras cronológicas ou aquelas ditadas pelos contratos sociais. Tardieu tem como um de seus alvos a invisibilidade imposta pelo envelhecimento, porém ousa avançar por questões colaterais de igual urgência. À medida que se aproximam, Shauna percebe que, mesmo dona de suas vontades, talvez não seja destemida o bastante para levar adiante o caso com um homem duas décadas e meia mais novo. Tanto menos prestes a travar uma guerra em que ninguém pode substituí-la.

“Os Jovens Amantes” foi o último trabalho de Anspach, e essa nota biográfica compõe uma reflexão poética e doída sobre a finitude e o muito-pouco-quase-nada que temos para mantê-la a distância. Mais uma vez, Fanny Ardant dribla preconceitos na pele de uma mulher forte e vulnerável a si mesma, tornando crível o amor de Shauna por Pierre em todas as suas minudências mais encantadoras e mais rasteiras. A beleza torta deste filme, sincera e corajosa, convida a repensar nossa ideia de amor, esse espetáculo de monstros e anjos num palco suspenso no ar.

Filme: Os Jovens Amantes 
Diretor: Carine Tardieu
Ano: 2021
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.