Normalmente, a paixão nasce das diferenças, da surpresa de encontrar no outro aquilo que falta em nós. Diferenças, no entanto, geram atrito, atrito traz calor, calor dá em fogo e o fogo, quando arde sem que se veja, é amor. Gênios incompatíveis podem ser juntos uma força sem igual, desafiando padrões e estabelecendo uma harmonia insólita, percebida apenas pelos dois e que transforma cada momento num êxtase, novo e fascinante. Mundos paralelos, o selvagem e o ingênuo, chocam-se em “Gostosa Loucura”, uma história sobre um romantismo invulgar que floresce no coração de uma garota algo perdida e um rapaz lutando pela sobrevivência, e então acontece a mágica. O diretor John Stockwell observa os traumas de seus protagonistas evitando julgamentos, mas sem edulcorar problemas sociais que atravessam os anos, numa abordagem sensível e lúcida.
Quando o filme começa, Carlos Nuñez e os amigos conversam despreocupados numa praia de Malibu, na Califórnia, quando se aproxima um grupo de jovens que cumprem trabalho voluntário por infrações penais. Uma garota loira de pele clara desperta a atenção deles: trata-se de Nicole Oakley, filha de um deputado liberal apreendida por dirigir bêbada, e aqueles rapazes de algum modo sentem que podem ter chance com ela. O roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi explora o potencial da cena de forma moderada, apenas insinuando semelhanças entre Nicole e seus interlocutores casuais, latinos da periferia. E que bom que assim seja, porque Carlos é um estudante aplicado de uma escola de elite que atravessa a cidade por duas horas em ônibus velhos e lotados em busca de um horizonte mais promissor. Já no primeiro contato, eles ficam sabendo que estudam no mesmo lugar, mas quando se veem no colégio, ela está matando aula junto com outros alunos, numa roda abastecida com uma beberagem azul brilhante. A rebeldia sem causa termina em outra punição para ela e no primeiro castigo dele. Carlos sente que é melhor afastar-se.
Ele até pode sentir que deve manter distância, mas se assim fosse, não haveria filme, e então Stockwellleva o espectador por uma longa jornada pela rotina de Nicole e Carlos, individualmente e juntos, enchendo de romanceações despretensiosas o caso adolescente em tela. Poder-se-ia falar do comportamento tóxico de Nicole, que não arreda pé e não desiste de seu pretendente porque ele faz bela figura, mas há muito mais para se observar. Nicole passa a frequentar a casa de Carlos, primeiro com Maddy, a amiga interpretada por Taryn Manning, sem muito espalhafato apesar da reação hostil da mãe dele, até que Tom, o pai da anti-heroína, o proíbe de encontrá-la — para o bem dele, porque acha que a filha não vai se emendar nunca. Pelo tratamento que Tom dispensa a Nicole, preterida pelo pai num segundo casamento e com uma segunda filha pequena, o público começa a notar que talvez Nicole tenha razões para estar sempre pendendo para a ilegalidade. Agora, ela inspira comiseração.
Kirsten Dunst e Jay Hernandez temperam Nicole e Carlos com pitadas do Shakespeare de “Romeu e Julieta” (1597), facultando a quem assiste toda a fantasia que tramas dessa natureza pedem. Na vida como ela é, o namorico de dois jovens tão diferentes prospera ou malogra, porém o final feliz é, temos de reconhecer, todo dia. Esse é que é o busílis da questão.
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