Uma pausa para rir: essa comédia na Netflix é tudo que você precisa hoje Divulgação / Universal Pictures

Uma pausa para rir: essa comédia na Netflix é tudo que você precisa hoje

A estranheza de todas as coisas, o incômodo frente ao mundo e a si mesmo, a vontade de transformar tudo quanto já existe, sem muita ideia de por onde começar e, o principal, de que jeito, são particularidades daquela etapa da vida em que sonhos têm muito mais valor do que o concreto, o real e o possível. As dores do crescimento às vezes custam a surtir efeito, e estão longe de serem excepcionais os casos em que indivíduos entram em anos sem uma ideia muito sólida a respeito do que seja a tal idade da razão. Só depois que experimentam um grande susto é que Danny Donahue e Anson Wheeler, os marmanjos infantiloides que protagonizam “Faça o Que Eu Digo, Não Faça o Que Eu Faço”, começam a se dar conta de que precisam mudar e, afinal, tornar-se homens. David Wain faz de seu filme algo mais do que um besteirol ao castigar os costumes com graça e expor o ridículo dos (maus) hábitos de Danny e Anson, trintões mimados e irresponsáveis que, por uma deliciosa ironia, vão parar numa instituição para menores em estado de perigo social. Esse é o gancho de que os roteiristas William Blake Herron, Timothy Dowling e Paul Rudd valem-se para mostrar os pontos de contato entre os dois adultos e seus novos pupilos, os quatro partilhando tragédias pessoais bem semelhantes, no fundo.

Vendedores de energéticos, Danny e Wheeler peregrinam por escolas oferecendo uma bomba química de cheia de conservantes, pigmentos e, claro, açúcar. Eles respondem as provocações de moleques grosseiros e folgados com piadas quinta-série e assim se passam os dias, sem que a dupla consiga vislumbrar perspectivas mais animadoras no horizonte. A situação é bem mais dramática para Danny, há uma década na empresa e completamente estagnado, e o corroteirista e coprotagonista Rudd encarna Danny de maneira a ressaltar as incongruências de um homem à beira de um ataque de nervos, que não tarda a acontecer. Anson, um playboy inconsequente, fanfarrão e vaidoso, seria a companhia mais inadequada para ele, mas por uma dessas ironias do destino os dois estão juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na ventura e na desdita. É assim que se dá quando um acidente com o caminhão da firma os despacha para um programa de 150 horas de serviço comunitário como mentores de adolescentes rebeldes e a um passo da violência e do crime, no reformatório Sturdy Wings.

Danny fica encarregado de Augie Farks, um rapaz de dezessete anos com uma fixação patológica em jogos de fantasia medieval, enquanto Anson toma conta de Ronnie Shields, um menino de doze com cara de seis, desbocado como uma velha comediante e vitimado por um niilismo precoce. Christopher Mintz-Plasse e Bobb’e J. Thompson juntam-se a Rudd e Seann William Scott e os quatro lideram um afinado elenco de coadjuvantes em situações banais mas que nem por isso deixam de ser grotescas, a exemplo de um combate “mortal” entre cavaleiros e camponeses, com direito a golpes de espadas feitas de cabos de vassoura e  armaduras de cartolina. São esses momentos assumido nonsense que justificam “Faça o Que Eu Digo, Não Faça o Que Eu Faço” — e nem tenho de dizer que Danny Donahue e Anson Wheeler não mudam da água para o vinho, malgrado passem a se comportar com mais decência.

Filme: Faça o Que Eu Digo, Não Faça o Que Eu Faço
Diretor: David Wain
Ano: 2008
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.