Dirigido por Reed Morano a partir do romance de Mark Burnell, “O Ritmo da Vingança” escolhe a contenção como arquitetura e a proximidade física como linguagem. O enredo é direto. Stephanie Patrick, vivida por Blake Lively, perde a família em uma explosão aérea que, mais tarde, se revela atentado e decide perseguir os responsáveis. A investigação a leva a um ex-agente, interpretado por Jude Law, e a um intermediário de apetite mercantil, vivido por Sterling K. Brown. A partir desse triângulo, o filme acompanha um estudo de corpo em crise.
A direção de Morano preserva a coerência entre forma e tema. A câmera insiste no plano próximo, prefere luz natural e esvazia vitrines. O diretor de fotografia Sean Bobbitt registra a instabilidade sem fetiche, com movimentos que respiram junto da personagem e deixam o horizonte escapar. Não há geografia turística. Os espaços funcionam como obstáculos concretos: portas estreitas, corredores úmidos, curvas que chegam tarde. A mise-en-scène aproxima o espectador da falha mais do que da façanha.
Lively apresenta um desempenho de depuração. A transformação física não se oferece como número de maquiagem; vale mais a mecânica de uma mulher que precisa reaprender a ocupar o próprio corpo. O tempo de reação é específico. O olhar custa a compreender. O gesto começa e recua. O disparo sai fora do compasso. A atriz trabalha com silêncio e aceita o ridículo do fracasso. Tropeça, calcula mal, cansa. A falta de glamour não é fim em si; é método que devolve humanidade a um arquétipo gasto.
A perseguição de carro que organiza o centro nervoso do filme torna a proposta legível. A câmera permanece no interior do veículo e cola ao ponto de vista de Stephanie. O exterior vira borrão de metal e concreto, sem corte salvador. A paisagem não apresenta mapas. O volante puxa para onde o corpo não quer. O som do motor engasga. Quando o quadro se recusa a planar, a sequência traduz tema e técnica em simultâneo. Não há virtuosismo exibicionista. Há experiência física.
O roteiro de Burnell equilibra contenção e clareza. O terrorismo existe como motor do enredo e não como aula. O filme observa como discursos religiosos deturpados e ambições políticas capturam vazios pessoais. No retrato do período de autodestruição de Stephanie, não há moralismo nem fetiche. Trabalho sexual e dependência aparecem como suspensão de vida. Na relação com os homens que a cercam surgem gradações úteis. Law é rigor disciplinar que cobra mais do que entrega. Brown é charme que vende atalhos. Interesses, afetos e manipulações coexistem.
Produzido por Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, o longa é um movimento raro da Eon Productions fora do universo 007. A singularidade explica parte da tensão entre expectativa industrial e vocabulário estético. A obra acena ao thriller internacional sem se entregar ao catálogo de gadgets e figurinos impecáveis. O deslocamento entre cidades aparece quando necessário e move também o eixo emocional da protagonista.
O projeto assume risco artístico que não se converteu em retorno financeiro. Com orçamento estimado em cerca de 50 milhões de dólares, arrecadou por volta de 6 milhões no mundo e encerrou a carreira nos cinemas com desempenho muito abaixo do esperado. A recepção crítica foi fria em médias agregadas, o que ajuda a entender o descompasso entre a expectativa de espetáculo e a proposta de estudo de personagem. O fracasso comercial não invalida as escolhas formais; pelo contrário, torna-as mais nítidas.
A montagem de Joan Sobel evita o alisamento didático e tolera a fricção. Quando a fluência se rompe, a quebra parece parte do método. O desenho de som prefere o atrito de superfícies, ar preso e metal a crescendos triunfais. A trilha não dita andamento. Em vez de programar ápices, sustenta pressão contínua. A fotografia de Bobbitt confirma a decisão: tons dessaturados, texturas frias, câmera na altura do corpo. Cada escolha remete à mesma ideia. A competência nasce do risco, e o risco sempre deixa marcas.
Comparado ao thriller padrão, que confunde eficiência com velocidade, “O Ritmo da Vingança” insiste no intervalo. Um segundo a mais antes do tiro. A curva feita tarde. O corte que chega depois. Nem todo antagonista ganha relevo e certas motivações permanecem à sombra, custo previsível de um foco tão obstinado na trajetória de uma única mulher. Ainda assim, o filme preserva uma coerência rara. Prefere a imperfeição observada ao domínio coreografado. A lembrança que permanece é a do compasso reencontrado à força, quando respiração e mira finalmente coincidem.
★★★★★★★★★★