7 livros breves demais para o estrago que causam

7 livros breves demais para o estrago que causam

A brevidade, às vezes, é armadilha. Quando se começa um livro de 120 páginas, ou 243, ou 87, há um tipo de confiança desavisada, uma ideia infantil de que o estrago será proporcional ao tamanho. Mas há obras que não funcionam por acúmulo, e sim por precisão. Elas não se anunciam. Entram. Cortam. Saem. O que fica é sempre maior do que aquilo que se leu. E mais incômodo também. Especialmente quando a última linha não fecha nada, só desloca o chão de onde se lia.

Há uma estranheza comum nesses sete livros. Não no tema. Alguns falam de morte, outros de infância, de guerra, de solidão, de obsessão. Mas no corte. Em “A Morte de Ivan Ilitch”, Tolstói faz do fim uma espécie de esvaziamento em vida, onde nada se sustenta a não ser a consciência de ter vivido errado. “O Túnel”, de Ernesto Sabato, é o oposto disso. Tudo é excesso: pensamento, paranoia, controle. Castel precisa nomear o inominável até o fim, até não sobrar ninguém além dele mesmo. Já “O Castelo de Gelo”, de Vesaas, não nomeia quase nada. Só o silêncio entre duas meninas. O que foi dito? Não se sabe. O que restou? Uma ausência sólida, branca, imóvel.

As estruturas variam, mas o efeito é o mesmo. Em “As Brasas”, a conversa adiada por quarenta anos é o que sobra de uma vida inteira. Dois homens, um jantar e um acerto de contas que talvez não resolva nada, apenas devolva peso ao que nunca foi dito. “Escute as Feras”, por sua vez, é um livro sobre atravessar a morte e não saber muito bem quem voltou. Nastassja Martin escreve com os ossos reconstruídos e a linguagem em fratura. E não há metáfora nisso. Há um urso, há a Sibéria, há hospitais russos. A selvageria não é simbólica, é real. Em “Ausência de Destino”, Kertész faz algo mais radical ainda. Retira da narrativa do Holocausto qualquer chance de heroísmo, qualquer lirismo que possa purificar o horror. A sobrevivência vira uma ambiguidade intolerável.

Por fim, “Vida e Época de Michael K”. Um homem empurra um carrinho com a mãe doente. Depois, sozinho. Depois, sem objetivo algum. E ainda assim, há dignidade. Não a que se pronuncia. A que se recusa a obedecer. Esses livros não se importam em ser discretos. Mas todos sabem o que estão fazendo. São breves porque não há o que esticar. O que eles têm a dizer cabe no espaço exato entre o estômago e o que não foi esquecido. E isso não é pouco. É o bastante para não passar.

Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.