O livro mais vendido e mais lido no mundo em 2025: uma vitória do marketing sobre a literatura

O livro mais vendido e mais lido no mundo em 2025: uma vitória do marketing sobre a literatura

Tudo começa com Violet. Começa com ela como poderia começar com qualquer outra. Não importa. O nome não pesa, a história não puxa. Há uma delicadeza de vitrine na forma como a autora a expõe ao mundo — não à dor, não ao trauma, mas à encenação deles. A fraqueza é uma pose, a força é uma performance. Nada sangra de verdade. É um teatro de cicatrizes já fechadas antes do corte. Um palco de músculos tensionados só para a foto.

Tempestade de Ônix, de Rebecca Yarros (Planeta Minotauro, 656 páginas, tradução de Laura Pohl)

Yarros escreve com o olhar de fora. De muito fora. A guerra não fede, o medo não treme, a paixão não suja. A linguagem parece o roteiro de uma série adaptada da própria série. Os diálogos têm o ritmo previsível de quem já escutou aquilo antes mesmo de abrir o livro. Quando Violet fala, soa como se estivesse pensando em como será citada em postagens no Instagram. “Ela enfrentou tudo” — mas não enfrentou. Passou por cima com a ajuda do roteiro, com a ajuda de dragões que falam com mais profundidade que muitos humanos ali.

Não era isso que eu queria dizer, mas ficou assim.

A fantasia se constrói como um espelho trincado de outras sagas mais pesadas, menos preocupadas em agradar. Tudo ali parece medido, controlado, embalado com fita brilhante. E ainda assim, há leitores em prantos, gritando por mais. Isso é mérito? Talvez. Mas talvez seja só carência. Talvez as pessoas estejam tão cansadas da complexidade que prefiram a caricatura. Violet é uma caricatura. De feminismo, de coragem, de trauma. A menina que sobrevive mesmo quando não faz sentido. A heroína que cai de um penhasco e pousa em aplausos.

Essa parte… eu quase apaguei.

O romance — e há tanto romance — soa como uma fanfic escrita por alguém que quer muito provar que sabe o que está fazendo. Xaden é a prova. Xaden, com seu nome de perfume masculino e seu jeito de sombra moldada para atrair cliques. Ele aparece já como se o leitor devesse saber que vai amá-lo. É mais construção de algoritmo do que de caráter. Ele é sombrio, mas respeitoso. Forte, mas quebrado. Misterioso, mas disponível. Um frankenstein emocional feito para bater metas de engajamento. Funciona? Funciona. Assim como funcionam chocolates com gosto de plástico.

E daí me distraí. Volto.

Há também os dragões. E aí sim algo quase pulsa. Os dragões são o que há de mais sincero em “Tempestade de Ônix. Eles não tentam ser humanos, não tentam agradar, não tentam convencer. Estão lá, com suas regras, seus julgamentos, suas presenças. Tairn, principalmente, parece vir de um outro livro. Um livro que talvez tivesse mais peso, mais consequências. Mas até ele acaba contaminado por diálogos engraçadinhos, por piadas prontas. O sarcasmo é o novo heroísmo: quem tem a melhor resposta ganha a guerra.

A escrita de Yarros é eficiente. Esse é o problema. Ela sabe exatamente o que está fazendo — mas o que está fazendo não tem profundidade. Tudo é ritmo, tensão sexual, “plot twist” e mais um trauma revelado na hora certa. As revelações não mudam nada. As mortes são descartáveis. A dor é uma mercadoria rotulada como “intensidade emocional”. Não há consequências, só sequência. A cada capítulo, algo explode — por fora ou por dentro. Mas ninguém se desfaz. Ninguém desmancha de verdade. O livro quer ser brutal, mas tem medo de machucar.

Talvez você nem entenda isso — nem eu entendo.

É como se o texto não confiasse no leitor. Como se precisasse repetir: “Ela é forte, ela é incrível, ela sofreu, mas venceu”. Não há espaço para dúvida. E sem dúvida, não há humanidade. Violet não hesita. Quando hesita, é por três parágrafos. Depois, resolve. Resolve tudo. É uma protagonista feita para inspirar em slides de PowerPoint, não para incomodar, para revelar o que há de imperfeito na sobrevivência.

Desculpa, repeti. Mas é que isso me volta.

E mesmo assim… tem algo ali. No fundo, uma tensão latente. Uma promessa que nunca se cumpre. Como se Yarros tivesse, em algum momento, encostado em algo verdadeiro. Um momento de silêncio, talvez. Um gesto entre Violet e Mira, uma pausa de vulnerabilidade que não foi explorada. Mas logo vem outra batalha. Outro beijo. Outra frase de efeito. A autora não permite que o vazio fale. Ela preenche tudo. E por isso nada permanece.

“Acho que estou escrevendo mais para mim do que para qualquer leitor.”

“Tempestade de Ônix” é a continuação de “Quarta Asa”, mas não avança. Expande, incha, repete. É um eco da própria promessa. Quem esperava uma tempestade, recebe uma tempestade coreografada. A sensação é de estar lendo algo que já foi escrito muitas vezes, com outras roupas, outros nomes. E isso, para quem lê com fome, cansa. Há uma superficialidade que machuca. Porque se disfarça de profundidade. E isso engana. E isso vende. E isso vira fenômeno.

Mas fenômenos são passageiros. São fumaça. São onda. “Tempestade de Ônix” vai desaparecer no mesmo redemoinho de tudo que é feito para não durar. Vai virar série. Vai virar cosmético. Vai virar quote. Mas livro mesmo — livro que fica — não. Não esse.

Rebecca Yarros: um monumento à superficialidade editorial

Essa é a parte que fica entalada: havia espaço. Havia potência. Mas talvez Yarros tenha medo do que existe no escuro, quando os dragões se calam e não há trilha sonora. Talvez ela ache que o leitor não aguenta. Talvez ela mesma não aguente. E por isso cobre tudo com brilho.

Se ao menos tivesse deixado uma rachadura. Se ao menos um personagem tivesse fracassado de verdade. Se ao menos Violet tivesse perdido algo irrecuperável — não um romance, não um parente periférico. Mas a fé. Mas a ilusão. Mas a si mesma. Talvez então isso fosse um livro.

Mas não. É só uma tempestade de verniz.