Atuação de Angelina Jolie que surpreendeu ao não ser indicada ao Oscar 2025 chega ao streaming Divulgação / Fabula

Atuação de Angelina Jolie que surpreendeu ao não ser indicada ao Oscar 2025 chega ao streaming

Quando uma voz se cala, não é apenas o som que se extingue — é um universo inteiro que se recolhe para dentro de si. Em “Maria”, Pablo Larraín não oferece uma biografia tradicional de Maria Callas. O que se desvela na tela é uma travessia crepuscular: o sussurro final de uma artista cuja vida se confundia com a intensidade do palco. Mas, ao rejeitar o didatismo e abraçar a sugestão, Larraín entrega algo mais visceral que informativo, mais espectral que explicativo. Ele convida o espectador a habitar a ausência: a ausência de palcos, de aplausos, de sentido. O filme não busca contar a história de Callas, mas fazer com que a percorramos com ela — no peso de seus silências, na geometria de seus olhares, na curva melancólica de sua solidão.

A opção por um recorte focado nos últimos dias da soprano é arriscada, mas revela a intenção do diretor de sondar o éter emocional da artista, e não seus feitos tangíveis. Ainda assim, o filme, ao privilegiar a introspecção extrema, vacila em capturar a íntegra da Callas criadora. Seu gênio é sugerido, não afirmado. Sua revolução é intuída, não demonstrada. A voz que redefiniu a ópera mundial ecoa mais como lembrança do que como presença. O filme prefere a agonia da perda à glória da permanência, e nisso revela sua força e também sua limitação: emociona, mas deixa incompleto o retrato de uma mulher que foi muito mais do que a dor que a silenciou.

Angelina Jolie, em uma entrega marcada pela contenção, assume o desafio de interpretar um mito que não se deixa reduzir a imagem alguma. Sua performance é meticulosa, tensa, de uma delicadeza quase ritualística. Nos enquadramentos em preto e branco, seu rosto torna-se uma ruína viva onde passado e presente colidem em silêncio. No entanto, falta-lhe o furor interno que fazia de Callas um vulcão em cena. Sua interpretação privilegia a quietude sobre a combustão, como se a encarnasse em sua forma póstuma, e não na força de seu legado. Jolie toca a superfície com reverência, mas não a transfigura em carne viva. O que vê-se é um retrato belo, mas domesticado, quando Callas, em vida, era puro risco.

A fotografia, austera e contemplativa, sugere uma elegía visual à medida que acompanha Callas por interiores silenciosos, moldados por memórias e fantasmas. Os figurinos, os detalhes de cena, a trilha sonora, tudo funciona como expressão do luto em movimento. Larraín recria não um tempo histórico, mas um espaço mental, onde o que importa é o que se perdeu e o que se teme nunca mais reencontrar. A montagem, em vez de construir uma narrativa linear, estrutura-se como cântico fragmentado, sintonizado com o estado de entropia emocional da personagem. Tudo colabora para construir a imagem de um crepúsculo: uma Callas que se desfaz em si mesma, sem testemunhas, sem bis.

Ainda assim, paira uma inquietação: seria justo exilar a artista em seus últimos silências? Ao se concentrar apenas nesse período terminal, “Maria” corre o risco de transformar a diva em espectro. A mulher que revolucionou a expressão operática com visceralidade, que fazia da música um campo de batalha e transcendência, é vista apenas como vestígio. O filme nos faz sentir sua dor, mas pouco nos faz lembrar sua grandeza. Ao optar pela elegía, Larraín esquece a épica. E talvez o maior tributo à Callas não fosse apenas velar sua ausência, mas reviver sua centelha.

“Maria” é um ato de reverência que se contorce entre o culto e a ausência. Como retrato afetivo, emociona. Como narrativa, fragmenta. Como arte, deslumbra. Mas como homenagem à grandeza, hesita. Maria Callas permanece inalcançável não por seu mistério, mas porque a arte que a definiu exigia entrega total. E nenhum retrato, por mais belo que seja, é capaz de capturar o que só a voz podia dizer.