Os 25 romances ganhadores do Prêmio Pulitzer no século 21

Os 25 romances ganhadores do Prêmio Pulitzer no século 21

Há uma estranha coerência nos livros que vencem o Pulitzer. Eles não obedecem à pressa do tempo nem à busca por consenso. São livros que às vezes desconcertam mais do que encantam. Que escavam silêncios, deslocam certezas, rasgam a superfície polida das histórias para mostrar o que ainda pulsa por baixo — mesmo quando ninguém mais quer olhar. A lista dos romances premiados no século 21 não é uma coleção de unanimidades. É um mosaico irregular, feito de brilhos dissonantes, zonas escuras e algumas ausências que também dizem muito.

Houve anos, por exemplo, em que o júri preferiu não conceder prêmio algum. Como em 2012. Talvez porque nenhum livro fosse suficiente. Ou, talvez, porque era o próprio conceito de “suficiência” que estivesse em crise. Também houve, mais recentemente, a quebra de um protocolo histórico: em 2023, pela primeira vez, dois romances dividiram o prêmio — “Demon Copperhead”, de Barbara Kingsolver, e “Confiança”, de Hernan Diaz. Um gesto raro, quase um suspiro institucional diante de obras que não se anulavam, mas se ampliavam mutuamente, mesmo sendo radicalmente diferentes. Um sobre um garoto pobre nos Apalaches, outro sobre a arquitetura simbólica do poder financeiro em Manhattan. Ambos, no fundo, sobre os modos silenciosos pelos quais a sociedade molda quem podemos ou não ser.

A lista inteira se estrutura como uma linha de tensão entre o íntimo e o histórico. Há filhos tentando entender seus pais, soldados tentando não enlouquecer depois da guerra, pastores em fim de vida escrevendo cartas que ninguém lerá em voz alta. Também há personagens que sobrevivem a regimes totalitários, a vícios estruturais, à morte de pessoas que amavam e à própria vergonha. Algumas narrativas são líricas, outras secas como pedra. Mas o que as une, talvez, não seja um estilo. É uma ética — a de não simplificar.

E se há livros que, mesmo premiados, escapam ao alcance do público brasileiro, isso também conta uma história. “The Orphan Master’s Son”, de Adam Johnson, vencedor em 2013, nunca foi traduzido para o português. Uma ausência difícil de justificar, considerando que a obra é uma das mais inquietantes da literatura contemporânea sobre a Coreia do Norte. O protagonista, Jun Do, é um homem forjado pelas engrenagens da propaganda, um fantasma que troca de identidade como quem muda de roupa, tentando sobreviver em um mundo onde a verdade é propriedade do Estado. Que esse romance — tão necessário, tão humano, tão politicamente incômodo — ainda não tenha sido publicado por aqui talvez diga mais sobre o mercado editorial do que sobre o livro em si. E, claro, também sobre nós.

Olhar para os ganhadores do Pulitzer é como espiar por uma fresta a alma desconfiada de um país — e, em certo sentido, do próprio Ocidente. São romances que, ao invés de oferecer explicações, oferecem feridas abertas com uma perícia quase compassiva. E, assim, sugerem que ler não é distrair-se da realidade. É, talvez, encará-la com mais lucidez — mesmo quando tudo o que se vê é escombro.

Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.