Sempre sábia, a vida vai dando indícios de que é chegada a hora de mudanças profundas depois de uma jornada tão serena quanto insignificante. As cobranças e, em especial, as autocobranças começam a se multiplicar em velocidade frenética, lembrando-nos de que é necessário fazer alguma coisa, e rápido, a fim de deixar claro quem é que está no comando. Naturalmente, nos confrontam os dilemas existenciais característicos (alguns graves, outros, nem tantos), como se tudo não fosse além de uma piada metalinguística ou de um jogo, de que sai vencedor aquele que suporta permanecer mais tempo na copa de uma árvore muito alta durante a tempestade, segurando-se firme nos galhos que não param de balançar, indiferente aos trovões que ameaçam reduzir tudo a um feixe de luz abrasadora, até que a música cessa, a brincadeira perde a graça, a noite esfria como um castelo de gelo e salvador nenhum vem em nosso socorro. É nesse ambiente de inconstância que se passa o enredo de “A Reserva”, por meio da qual a dinamarquesa Ingeborg Topsøe esgrime acerca de racismo, xenofobia, pedofilia e as manhas da elite para livrar-se do jugo da lei.
Ninguém hesitaria em voltar ao passado para evitar um acontecimento que poderia mudar radicalmente seu futuro, mas depois de deixar de lado a emoção e se ater somente à lógica, mesmo o mais tolo dos homens chegará à conclusão de que o tempo é de fato o senhor da vida, não se submete a nenhum querer, por mais bem-intencionado que pareça, e não se conformar com isso é o caminho mais curto para a catástrofe. Os anjos da guarda dos investigadores dos filmes sobre maníacos tão perversos quanto sanguinários, capazes de se encarniçar de uma pobre vítima pelo simples motivo de tê-la julgado atraente, ou, pelo contrário, achá-la feia demais; invejar-lhe os dotes artísticos; ou por querer que a humanidade expie seus pecados mediante o sacrifício de inocentes (que, claro, não são assim tão puros), estão sempre às raias da loucura.
Topsøe elabora o argumento central de maneira surpreendente jogando luz sobre uma personagem pouco óbvia a partir do segundo episódio. Aicha, a detetive interpretada por Sara Fanta Traore, é quem tenta desvendar o que terá acontecido com a filipina Ruby, que se hospeda na casa de Cecilie e Mike em troca de um curso sobre desenvolvimento de startups. Na abertura, o diretor Per Fly concentra-se na casa de Katarina e Rasmus, os vizinhos, onde também vive Angel, compatriota de Ruby, que está em Copenhague pelo mesmo motivo. A relação fortuita entre Ruby e Oscar, o filho de Katarina e Rasmus, desencadeia o grande mistério da trama, levada com esmero até o desfecho matador.
Série: A Reserva
Criação: Ingeborg Topsøe
Direção: Per Fly
Ano: 2025
Gêneros: Drama/Suspense/Mistério
Nota: 8/10