Indicado ao Oscar, filme com Denzel Washington que você ainda não viu chega ao streaming Glen Wilson / Sony Pictures

Indicado ao Oscar, filme com Denzel Washington que você ainda não viu chega ao streaming

Roman J. Israel não é um nome que se esquece facilmente — e o filme que o carrega tampouco permite uma digestão apressada. Escrito e dirigido por Dan Gilroy, este retrato de um advogado marginal ao sistema jurídico formal não se apoia em fórmulas dramáticas, reviravoltas astutas ou heróis funcionalmente carismáticos. Pelo contrário: o que encontramos é um estudo meticuloso de um homem fora de seu tempo, talvez de qualquer tempo, tentando viver em coerência absoluta com princípios que o mundo ao seu redor já declarou obsoletos. Neste drama inquietante, o heroísmo se apresenta de forma dissonante, desprovido de brilho e acomodado na falha — um heroísmo que incomoda porque resiste, não porque vence.

Roman é um personagem que habita os interstícios — entre o ideal e a realidade, entre o brilhantismo jurídico e a total inabilidade social, entre a rigidez moral e a dissonância emocional. Interpretado com minúcia por Denzel Washington, ele não apenas representa, mas encarna a figura de alguém que opera num registro ético tão intransigente que se torna alienígena aos olhos de uma sociedade pragmática e cínica. Ao ser forçado a sair das sombras de seu escritório para lidar com o sistema judicial de forma direta, o que vemos não é um processo de adaptação, mas de erosão. Cada passo que dá em direção ao “mundo real” é, na verdade, um passo para longe de si mesmo.

Há algo perturbadoramente contemporâneo na maneira como o filme constrói a queda de Roman. Seu colapso moral não vem de um rompante ou de uma escolha drástica, mas da erosão gradual provocada pelo esgotamento ético em um ambiente onde nada é gratuito, exceto a concessão. Ao aceitar uma recompensa financeira por uma informação confidencial — algo que vai contra cada fibra de sua rigidez doutrinária — Roman cruza uma linha que ele mesmo não reconheceria em outro tempo. E é precisamente essa contradição — tão humana, tão irreconciliável — que dá ao filme sua densidade dramática. A queda não se dá por fraqueza, mas por cansaço. E, nesse cansaço, mora algo que nos é perigosamente familiar.

A estrutura narrativa, por sua vez, não busca agradar. O roteiro se recusa a oferecer picos de catarse ou momentos de fácil identificação emocional. Em vez disso, opta por uma condução arrastada, quase contemplativa, que exige do espectador o mesmo tipo de escuta cuidadosa que o personagem jamais conseguiu inspirar em seu entorno. Há um espelhamento deliberado entre a forma e o conteúdo: assim como Roman, o filme parece perdido em si mesmo, atolado em argumentações complexas, divagações jurídicas e silêncios incômodos. A dispersão é sua linguagem, não seu defeito. E, mesmo assim, é possível argumentar que o filme prolonga desnecessariamente certas passagens, sacrificando tensão dramática em nome de um purismo que, ironicamente, acaba contradizendo seu próprio protagonista.

Ainda que a estrutura oscile, é inegável que a espinha dorsal do filme repousa na entrega visceral de Washington. Sua composição não grita por atenção — ela a exige pelo desconforto que provoca. Não há maneirismos nem afetações gratuitas: apenas um homem atravessando a vida com a convicção dolorosa de que estar certo, muitas vezes, é o caminho mais curto para a derrota. A presença de Colin Farrell, como o advogado que representa tudo aquilo que Roman despreza e, paradoxalmente, admira, serve como catalisador para que as fraturas internas do personagem se tornem ainda mais visíveis. Juntos, eles não encenam uma disputa entre o bem e o mal, mas algo bem mais angustiante: a negociação constante entre os valores que sustentam uma vida e os compromissos que a tornam possível.

Os enquadramentos amplos que deixam Roman isolado em grandes espaços reforçam sua condição de estranho permanente, enquanto a recusa em oferecer planos que busquem empatia facial evidencia o desconforto que o personagem impõe — não apenas ao mundo, mas ao espectador. Essa recusa de intimidade visual não é um acidente técnico: é uma postura ética do filme. Assim como Roman não sabe — ou não quer — traduzir sua verdade em linguagem acessível, o filme também não se dispõe a tornar sua narrativa palatável. Trata-se, enfim, de uma escolha corajosa: permitir que o público sinta o peso da exclusão não como um tema, mas como uma experiência estética.

“Roman J. Israel” lança uma pergunta que ecoa muito depois dos créditos: o que acontece com aqueles cuja integridade é tão inflexível que se torna inabitável? A história não termina com o acerto de contas, mas com a percepção amarga de que talvez não haja lugar para certos tipos de virtude no mundo que construímos. O legado de Roman não está na vitória nem no martírio, mas no incômodo que permanece. E talvez esse incômodo seja a única forma de justiça que o filme ousa entregar.

Filme: Roman J. Israel
Diretor: Roman J. Israel
Ano: 2017
Gênero: Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★