O melhor filme de ação que você verá esta semana na Netflix Divulgação / Netflix

O melhor filme de ação que você verá esta semana na Netflix

Gareth Evans não retorna para confortar. Após sete anos de silêncio, ele reaparece com um filme que não se contenta em retomar sua assinatura estética — preferindo empurrar o espectador para o centro da brutalidade com uma lucidez perturbadora. “Caos e Destruição” não adota a violência como espetáculo, mas como linguagem de um mundo onde o desamparo moral e a promiscuidade entre Estado e crime já deixaram de ser anomalias. O cineasta galês constrói uma narrativa que, em vez de pedir cumplicidade ao público, o desarma: a previsibilidade é sistematicamente frustrada, e a trama parece zombar de qualquer tentativa de antecipação. É nesse caos premeditado que tipos supostamente banais adquirem densidade, deslocando o eixo da ação para a inquietação ética — sempre latente, nunca apaziguada.

Walker é o epicentro desse abalo. Um detetive emocionalmente avariado, cuja urgência não é pela justiça, mas pelo esquecimento. Ele deseja obliterar o passado não por arrependimento, mas porque lembrar exige coragem — e coragem, neste universo, é sempre punitiva. Evans o delineia não como um herói torturado, mas como um sobrevivente mutilado por escolhas que, uma vez feitas, não podem ser renegociadas. Aqui, o tempo não é um eixo que se percorre, mas uma entidade intransigente. Revisitá-lo é inútil, tentar redimi-lo, suicídio. Por isso, “Caos e Destruição” nunca romantiza o retorno ao ponto de origem: insiste que o tempo, em sua tirania silenciosa, é imune aos apelos humanos.

A estrutura narrativa amplifica esse desespero ao operar numa temporalidade disforme, como se o próprio filme se recusasse a obedecer à linearidade. Os marcos de realidade — tempo, espaço, causalidade — são constantemente tensionados. Evans desfigura o presente com fantasmas do passado, e o futuro, quando vislumbrado, é apenas a projeção de ruínas. Neste cenário, o protagonista não se move: é movido. Arrastado por suas falhas e por alianças que o colocam nas margens da legalidade, Walker encarna o paradoxo de um agente da ordem que negocia com o abismo.

O elo com Lawrence Beaumont, político ambicioso e patriarca de um império podre, escancara a simbiose entre poder e violência. Beaumont não quer apenas esconder um segredo: quer redesenhar a realidade para que o crime se confunda com a norma. Seu filho, Charlie — expressão viva dessa ambição depravada — conduz a ação com uma ferocidade ensandecida, cuja brutalidade quase se transforma em método. É nessa vertigem que surge Mia, mulher sem vestígios de redenção possível, cujo olhar cansado e obstinado revela que, entre o certo e o necessário, ela já fez sua escolha há muito tempo. Quelin Sepúlveda a interpreta com a fúria fria de quem sabe que nenhuma revolução virá salvá-la.

Evans evita o frenesi estilizado: mesmo nos massacres mais intensos, há uma contenção sinistra, como se o sangue não estivesse ali para impressionar, mas para lembrar que cada ato tem um custo irrevogável. É nesse ponto que Tom Hardy e Forest Whitaker entram, não como messias da virada narrativa, mas como corpos experimentados na arte de resistir. Suas performances não procuram a glória, mas o peso. São homens que conhecem o valor da perda e a inoperância da justiça diante da barbárie — e que, ainda assim, insistem em agir.

Não há redenção, mas talvez um deslocamento. A pergunta que o filme lança — e deixa em suspenso — não é sobre o que fazer com o passado, mas se é possível continuar caminhando mesmo quando o presente é apenas um campo de escombros. “Caos e Destruição” não conclui: reverbera. Como uma ferida aberta que se recusa a cicatrizar, e que exige do espectador não empatia, mas escuta. Uma escuta atenta ao ruído persistente daquilo que não pode mais ser ignorado.

Filme: Caos e Destruição
Diretor: Gareth Evans
Ano: 2025
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★