Pode-se tomar a meia-idade sob diversos pontos de vista. O assunto se tornou tabu num mundo em que a juventude é o capital mais valorizado numa pessoa. A sociedade contemporânea compra quase tudo — beleza, sucesso, fama, amor verdadeiro —, mas nem o cirurgião plástico mais talentoso consegue tirar vinte, trinta, quarenta anos da cara de alguém sem ou mutilar o infeliz ou dar-lhe uma nova identidade, perceptível pela incapacidade de mover certos músculos do rosto, por lábios inflados como a natureza nunca pudera fazer ou narizes minúsculos, sem ossos e, então, tem-se um quadro muito pior que o de antes. Chegar à meia-idade ou mesmo à velhice — ou mesmo morrer — não é o problema; a questão é de que forma e em que circunstâncias isso acontece.
Ter de confessar para si próprio que se atingiu determinada etapa da vida sem que o passar dos anos tenha se traduzido em sucesso profissional, relacionamentos íntimos estáveis, sólidos, e alguma tranquilidade a fim de encarar os outros desafios que vão se acumular pela jornada afora é que constitui a grande angústia de não ser mais tão jovem. “Antes Só do que Mal Casado” chega a cada um desses tópicos de um modo ou de outro, por meio de seu personagem central, um quarentão imaturo que resolve contrair núpcias como quem decide experimentar culinária tailandesa. O resultado, por óbvio, é desastroso, e ao dar preferência à escatologia, ao sexismo e às piadas de vestiário masculino, o remake dos irmãos Bobby e Peter Farrelly para “O Rapaz Que Partia Corações” (1972), de Elaine May, não é muito diferente.
Talvez não exista um assunto que frequente com mais assiduidade a cabeça de roteiristas e diretores de cinema do que a ilusão da eterna juventude, tomada sob perspectivas várias, a despeito da intenção que se queira ocultar nas entrelinhas. Eddie Cantrow parecia ter conhecido sua musa. Lila, uma loira para quatrocentos talheres e bem-torneadas pernas compridas, é mesmo do tipo que mexe com as expectativas de qualquer homem, e ainda que o texto de Bobby Farrelly e dos corroteiristas Scot Armstrong e Leslie Dixon dê algumas voltas, a personagem de Malin Åkerman é quem movimenta boa parte da trama.
O casamento, por óbvio, sai, até porque Doc, o pai de Eddie — que não suporta mais as farras do marmanjo —, dá sua bênção, e partir daí o filme empenha-se em deslanchar com seus parcos recursos. Justiça se lhe faça: é boa a ideia de juntar os dois Stiller, Ben e Jerry, cuja interpretação de Doc prima por uma mistura de segurança e arrojo, dedicando-se por livrar a narrativa da caricatura. Seu esforço é baldado quando o diretor estica a corda do mau gosto ao brincar com temas sérios e mesmo trágicos a exemplo de Lila ser uma ex-viciada que ficou com um desvio de septo nasal após o abuso de cocaína, uma fonte inesgotável de blagues físicas sobre não conseguir sorver líquidos sem produzir um espetáculo dantesco. Claro que isso vai minando a paixão e até o desejo de Eddie, mas… ele nunca percebera nada de estranho antes?
A um custo alto e tardiamente, o longa passa a uma comédia romântica no ponto de acidez exato. É quando Eddie começa a deixar Lila de lado e ousa investir em Miranda, uma típica moça de família que quase não usa maquiagem e prefere biquínis comportados. Stiller e Michelle Monaghan compõem um casal mais harmonioso, é verdade, mas é impossível esquecer os dois terços anteriores do que os Farrelly exibiram até aqui, portanto nada mais justo que maneirar o entusiasmo e analisar o trabalho dos Farrelly pelo todo. “Antes Só do que Mal Casado” garante um entretenimento despretensioso, desde que se consiga atravessar um vasto pântano de escolhas duvidosas. Boa sorte.
★★★★★★★★★★