A única coisa perene na vida é sua inconstância. Na esteira dos grandes talentos que visitam a Terra uma vez a cada dez mil anos, surgem figuras cuja irrelevância acintosa se revela um duro golpe naquela fantasia diáfana, gasta, surrada quanto a uma possível salvação do gênero humano. Num mundo em que redes sociais tornaram-se apenas mero pretexto para se destilar ódio; num tempo em que as pessoas fazem questão de manifestar seu desprezo umas pelas outras; com uma humanidade passiva diante do sofrimento que vem da ignorância em sua forma mais crua, a guerra, ainda faz sentido se falar em bondade? O que pensar em se deparando com o fato de que a criança compassiva e ingênua de ontem transformou-se no adulto amargurado e perverso de agora, que por seu turno cria seus próprios novos tiranos, que hão de dar origem a outros tantos monstros, em escala industrial e sem fim, sobrando apenas os vermes para contar sua versão da história? Houve um tempo em que as pessoas criam em tudo quanto era dito na televisão — hoje, elas creem no que está nas redes sociais, e aquilo que era ruim ficou simplesmente insuportável. “Fã ou Hater?” opera nessa frequência, esmiuçando a difícil rotina de uma atriz aclamada, que torna-se pior depois de um infortúnio com quem ajuda a pagar seu salário. De forma leve, a mexicana Maria Torres conta uma história que lança as emoções mais básicas do homem num palco cheirando a tinta.
O falso sentimento de que as estrelas estão a um clique de nossa vã mortalidade, mas jamais padecendo dos miúdos e grandes tormentos que angustiam mulheres e homens comuns, assalta-nos a todos, ainda que, no fundo, saibamos que males de toda ordem deságuam até na vida desses oráculos pós-modernos, que costumam habitar esse novíssimo Olimpo, levando-nos a crer que fez água a confluência de mídias enunciada pelo historiador inglês Peter Burke. Talvez a grande serventia das redes seja a divulgação, quase em tempo real, de uma pletora de vídeos protagonizados por cães, gatos, bebês e velhinhas desbocadas, nessa ordem, cada qual despejando sua carga de dopamina sobre usuários ingênuos.
Perspicaz, a indústria cinematográfica tem sabido captar o fenômeno e transformá-lo numa nova modalidade de entretenimento, aproveitando, por óbvio, para faturar alto com necessidades desnecessárias. Torres e o corroteirista Enrique Vázquez fixam-se em Lana Cruz, alguém que há quarenta anos tem feito a alegria do público, enquanto o domínio sobre sua vida pessoal escapa-lhe pelos dedos sem que ela se dê conta. Lana segue gravando os episódios da sétima temporada de “Special Crimes”, uma dessas séries de Hollywood sobre heroínas inclementes com dezenas de marmanjos do submundo, mas cheias de traumas íntimos, até que reage de modo intempestivo a uma fã que a abordara desastradamente. Depois desse ponto, nada mais volta ao que havia sido até tão pouco tempo, e ela vê-se obrigada a aceitar um papel duvidoso num “filme de arte” de um diretor sem público. No México.
Inexplicavelmente, a volta de Lana ao país natal é um argumento negligenciado pela diretora, que dá preferência ao limitado jogo de cintura de sua antimocinha diante da guinada na trajetória de estrela da TV. Por outro lado, a entrada em cena de Polly Melgar, um arremedo de secretária que parece ser a peça que faltava para reerguer sua diva, mas cuja admiração sufoca. Por quarenta dias, Lana e Polly desfiam um rosário de lamúrias de parte a parte, ambas padecendo com a megalomania e o desleixo camuflado de preciosismo de Aristóteles Orozco, o diretor vivido por Gabriel Nuncio. Kate del Castillo e Diana Bovio fazem de um filme tolo a uma análise mais ligeira uma comédia eficiente, vigorosa o bastante para alcançar tópicos colaterais, a exemplo de etarismo, rixa entre mulheres, sororidade e o bom e velho debate sobre a decadência da indústria cultural. Fazendo-o com graça, o que é melhor.
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