Velozes e Furiosos 10 chega à Netflix Brasil após arrecadar US$ 715 milhões nos cinemas Divulgação / Universal Pictures

Velozes e Furiosos 10 chega à Netflix Brasil após arrecadar US$ 715 milhões nos cinemas

A essa altura da franquia, “Velozes e Furiosos” já não pertence mais ao território do cinema de ação tradicional. Transformou-se numa entidade autônoma, com regras próprias, lógicas internas e uma mitologia que desafia tanto o tempo quanto a gravidade. O décimo capítulo desse universo, que começou com rachas em estacionamentos e hoje flerta com o épico espacial, não é apenas uma continuação: é uma espécie de espelho deformado do próprio conceito de saga, onde cada nova entrada se alimenta das anteriores, digerindo e reconfigurando o passado como uma máquina narrativa ininterrupta. Em “Velozes e Furiosos 10”, os carros continuam sendo o veículo literal e simbólico dessa expansão: arremessam-se de aviões, cruzam cidades históricas como se fossem arenas de videogame e ainda abrigam discursos sobre paternidade, lealdade e sobrevivência emocional. A lógica da aceleração total não se restringe ao motor — ela contamina a trama, os diálogos e até mesmo a construção de personagens, que ressurgem, morrem ou se reinventam conforme a necessidade da próxima colisão dramática.

A inserção de Dante Reyes, vivido com uma voltagem operística por Jason Momoa, cristaliza essa lógica de escalada hiperbólica. Diferente dos vilões genéricos que povoaram os capítulos anteriores, Dante é um corpo estranho que não pede permissão para existir: ele se impõe pela excentricidade, pela teatralidade e, sobretudo, pela recusa em aderir à sisudez dos heróis. Seu figurino grita, suas frases desafiam a expectativa e seus atos transpiram imprevisibilidade — um contrapeso perfeito à gravidade solene de Dominic Toretto, que continua tratando cada curva como um dilema existencial. A presença de Dante aciona um subtexto curioso: se Toretto é o arquétipo do herói que leva o melodrama a sério demais, Dante é a força entrópica que escancara o artifício, rindo das convenções sem nunca perder o senso de ameaça. Nessa tensão entre o controle e o caos, entre o peso e a leveza, o filme encontra seus momentos mais genuínos — paradoxalmente, nas cenas mais absurdas, onde o realismo deixa de ser uma meta e se transforma em obstáculo narrativo a ser atropelado.

Mas essa oscilação entre a convicção épica e o deboche autorreferente não se limita ao embate entre protagonistas. Está espalhada na própria arquitetura do longa, que se desdobra em linhas paralelas, agrupando personagens antigos e novos como se fossem peças de um tabuleiro sem regras fixas. O resultado é uma espécie de multiverso tonal, onde o drama familiar de Dom convive com a buddy comedy de Roman e Tej, enquanto Letty e Cipher protagonizam uma fuga que mais parece um spin-off injetado de adrenalina. Há uma liberdade quase anárquica nessa montagem — liberdade essa que seria um desastre em mãos menos hábeis, mas que Louis Leterrier, consciente daquilo que tem em mãos, orquestra com uma clareza surpreendente. A fluidez com que o filme transita entre explosões megalomaníacas, piadas internas e duelos corporais intensos demonstra que a falta de lógica linear foi substituída por uma lógica emocional: não importa o que acontece, mas com quem, e com qual intensidade aquilo reverbera no universo afetivo dos fãs.

Essa é, talvez, a chave para entender por que “Velozes e Furiosos 10” consegue ser simultaneamente incoerente e viciante. Ele não pretende ser decifrado — pretende ser sentido, como um motor rugindo no vazio da madrugada. Por trás da cortina de CGI, dos diálogos quase paródicos e das cenas que desrespeitam qualquer lei física concebível, há uma engenharia emocional meticulosa. Os personagens retornam não por necessidade de enredo, mas porque a presença deles alimenta um pacto de continuidade afetiva. Mesmo as figuras novas, como Tess (Brie Larson) ou Aimes (Alan Ritchson), parecem menos preocupadas em se estabelecer como elementos narrativos e mais interessadas em manter a chama da familiaridade acesa. A fidelidade a esse sentimento de pertencimento é tamanha que o roteiro se dá ao luxo de ignorar completamente qualquer exigência de realismo. E por isso funciona: ao insistir que família é mais importante que física, a franquia constrói seu próprio universo de sentido, onde o exagero não é falha, mas fundamento.

O que se desdobra, então, é um espetáculo que não pede desculpas por existir. “Velozes e Furiosos 10” não tenta agradar críticos nem converter céticos. Ele celebra o excesso com a mesma seriedade com que Dom encara uma troca de olhares, e com a mesma despreocupação com que Dante joga uma ogiva pelas ruas de Roma. O clímax pode estar no trailer, os diálogos podem flertar com o nonsense e os retornos de personagens podem desafiar qualquer coerência temporal — mas, ao final, nada disso compromete o impacto visceral que o filme exerce sobre seu público. A força da saga está justamente em sua disposição de abandonar o plausível em nome de algo mais valioso: a experiência coletiva de ver o impossível se repetindo com um novo brilho. Enquanto essa máquina continuar girando, não por inércia, mas por fé — fé no espetáculo, na lealdade dos fãs e na mitologia que construiu — “Velozes e Furiosos” permanecerá como um fenômeno que não se explica, apenas se acelera.

Filme: Velozes e Furiosos 10
Diretor: Louis Leterrier
Ano: 2023
Gênero: Ação/Crime
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★