Quanto mais longe fica o homem do mundo, mais se aproxima de sua própria alma; seus mistérios, ainda que absorventes, tornam-se menos indóceis, e a vida até parece mais fácil, uma vez que põe-se mais alerta e não se flagra vítima dos delírios que ele mesmo teima em criar. Um lado ambivalente da natureza de todos nós, tão cheio de luzes e sombras, de reentrâncias e saliências, subidas e declives, mantém-se a salvo da curiosidade quase sempre destrutiva de quem nos rodeia, mas acabam impondo-se circunstâncias em que o cerco se fecha a ponto de pensarmos que vivemos numa espécie de universo paralelo, um lugar mágico e maldito onde não somos mais os protagonistas da nossa própria vida, momento em que recrudesce a sensação de que alguma coisa de muito errado vai se anunciar, adquirindo proporções cada vez menos racionais, revestindo-se de uma aura de emoções que se sucedem, se libertam e voltam a se encastelar, processo mais e mais incontrolável, até que finalmente tudo degringola em obsessão, paranoia, melancolia, tristeza… Sara Wulf, a protagonista de “Exterritorial”, enfrenta grandes dificuldades para vencer aquelas etapas em que já não nos dominamos mais, tragada por uma cornucópia de perigos que extrapolam o real. Christian Zübert situa sua anti-heroína, uma veterana da Guerra do Afeganistão (2001-2021), no terreno pantanoso das lembranças e traumas, conjuntura estarrecedora o bastante para fazer com que seja tida por insana em mais uma prova de fogo.
Na abertura, o diretor-roteirista recorre a um flashback rápido para explicar que Sara tivera uma vida feliz ao lado de Evan, então um soldado das forças especiais feito ela, que aparece comendo batatas fritas num parque sob a luz difusa do sol — lugar-comum que se aplica perfeitamente aqui —, ao lado do filho, Josh, de três anos. Quatro anos depois, Sara dirige-se até o consulado americano em Frankfurt para ver se consegue um visto de trabalho nos Estados Unidos, terra de Evan, que morrera em combate. Parece que tudo vai sair como o esperado: Sara e Josh, encaminham-se ansiosos para o salão de atendimento, mas uma vez que o tempo avança, pessoas que chegaram depois são chamadas e eles continuam lá, Sara leva o garoto até à brinquedoteca, e então mergulha num pesadelo quando volta e não o encontra.
Zübert encadeia uma série de momentos que denotam a angústia de Sara, oportunidades muito bem-aproveitadas por Jeanne Goursaud para elaborar uma possível doença mental de sua personagem, enquanto a história aos poucos assume seu próprio ritmo e dá brechas para que o publico comece a tecer conclusões mais objetivas, em especial depois que Erik Kynch, o misterioso chefe da segurança do consulado, toma a frente das investigações acerca do sumiço de Josh. Não é difícil imaginar o desfecho dessa história, principalmente num lugar cheio de câmeras, mas assim mesmo “Exterritorial” é capaz de empolgar, sobretudo quem já tem uma preferência pelo gênero. Goursaud dá conta do recado na pele da mulher que sacrifica amor e convívio familiar em nome de um ideal — e repensa suas escolhas ao ver-se sem apoio numa hora particularmente delicada —, e Dougray Scott é responsável por um dos melhores lances do filme, quando Kynch afinal libera seu lado mais torpe. “Exterritorial” recicla motes de produções semelhantes, mas ganha com as atuações de Goursaud e Scott, pouco originais, porém certeiras.
★★★★★★★★★★