Uma das primeiras obras de Jane Austen virou filme — e é a escolha perfeita para seu final de semana Divulgação / Amazon Studios

Uma das primeiras obras de Jane Austen virou filme — e é a escolha perfeita para seu final de semana

Ninguém ousava desafiar a autoridade paterna no Reino Unido do começo do século 19, por mais sombrias que fossem as consequências dessa submissão sem limite e nada convicta. A britânica Jane Austen (1775-1817) foi uma das artistas que melhor retratou esse lado obscuro da sociedade em que viveu, dando origem a uma narrativa caudalosa, que se espraiou em três volumes. Em “Razão e Sensibilidade” (1811), Austen dá início à saga em que discorre sobre o amor em oposição às premências mais básicas da vida; “Orgulho e Preconceito” (1813) segue nessa mesma direção, especulando acerca da honra de uma família outrora influente, mas em apuros de dinheiro, cuja única grande chance de mudar seu destino é o casamento arranjado da filha mais velha e um homem de posses, que aparentemente a deseja, mas que não consegue vencer a mãe superprotetora.

O último, “Persuasão” (1816), marca o fim da trilogia e da obra literária da autora, que morre em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, vítima do mal de Addison, uma doença autoimune a respeito da qual nada se sabia duzentos anos atrás. Austen continua a ser uma caixinha de surpresas, que Whit Stillman tenta desvendar em “Amor & Amizade”, texto a um só tempo leve e contundente por meio do qual a autora dá seus primeiros passos na longa e bem-sucedida trajetória de cascavilhar a alma trevosa da aristocracia com que precisou conviver, alcançando as bravas conclusões que caracterizam sua obra.

A adaptação de Stillman para “Lady Susan” (1871), um romance epistolar que Austen pode ter escrito em 1794, mas que só foi publicado em 1871, postumamente, soa como uma farsa plena de deboche e autoironia, revelando uma face quase clandestina da escritora. Há algum tempo, Susan Vernon padece com a viuvez, não precisamente por nutrir pelo finado marido algum sentimento especial, mas por agora depender da vontade de estranhos para manter-se viva.

Blanche, digo, Susan quer, ou melhor, necessita arrumar um novo cônjuge, e já que o assunto está na ordem do dia, aproveita para também tentar garantir amanhãs mais rosicleres para Frederica, uma filha que tem sido uma barreira em seus planos de reascensão social, da qual intenta se livrar o quanto antes. Kate Beckinsale e Morfydd Clark carregam o filme, cavando oportunidades para que os tipos masculinos, sempre ou patéticos, ou insensíveis na leitura de Austen, surjam sem pressa. É esse o caso de Sir James Martin, que Susan vai empurrando para Frederica, sem notar que Alicia Johnson, sua confidente americana, tem um talento todo especial para frustrar suas ambições. E Chloë Sevigny é mesmo um achado.

Nas mãos seguras de Stillman, “Lady Susan” vira uma comédia de costumes tresloucada, que se materializa na fotografia de Richard Van Oosterhout, na edição de Sophie Corra e, evidentemente, na direção de arte de Louise Matthews e Bryan Tormey, capaz de situar o espectador no cenário de tensão oscilante, suave e repulsivo, muitas vezes num só golpe. “Amor & Amizade” junta-se às outras produções cinematográficas que revivem a pena de Jane Austen, fomentando um ótimo pretexto para que se iniciem as comemorações pelos 250 anos de seu nascimento. E ela segue vivíssima.

Filme: Amor & Amizade
Diretor: Whit Stillman
Ano: 2016
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.