“O Quarto Ao Lado”, filme de Pedro Almodóvar, encara de frente aquilo que a cultura contemporânea tenta disfarçar com distrações, o limite incontornável da existência. E não o faz com desespero ou sentimentalismo diluído, mas com a precisão intelectualmente incômoda de quem sabe que a morte, quando nomeada sem rodeios, transforma tudo em questão ética.
Há histórias que prefeririam permanecer escondidas na gaveta pesada da História. Mas vez ou outra surge um relato que insiste em lembrar ao mundo que o horror não se sustenta apenas em armas, discursos inflamados ou símbolos costurados em braçadeiras, o horror se alimenta do silêncio, da obediência e daquela noção cruel de “normalidade” que as ideologias mais sombrias adoram vestir.
Ambientado no mercado editorial de moda, o longa discute inclusão com olhos no cotidiano: orçamento, prazos e escolhas de pauta. A narrativa acompanha uma criadora plus size que deseja transformar esboços em roupas para corpos reais enquanto um herdeiro tenta atualizar a revista da família. O filme observa procedimentos — prova, ajuste, negociação — e como discursos corporativos dependem de decisões concretas. Entre desejo de reconhecimento e limites do negócio, o enredo mede quanto vale, na prática, tornar visível quem sempre ficou fora do enquadramento.
Ambientado na Dublin do fim da recessão, o drama acompanha um bancário confrontado pelo rastro humano das políticas que sustenta no trabalho. A narrativa prefere o desgaste contínuo ao choque espetacular e observa como procedimentos neutros podem encobrir danos profundos. O filme investe em gestos cotidianos, silêncio e pressão psicológica para revelar um personagem em desmonte ético, cercado por colegas, metas e segredos. Sem atalhos, propõe um retrato de consequências: aquilo que se arquiva em relatórios retorna como custo afetivo intransferível.
A história parte de um impulso conhecido: abandonar a sociedade e experimentar um recomeço guiado por novas regras. O que se vê é a colisão entre expectativas pessoais e a rotina exigente de manter um assentamento vivo. O filme examina liderança, repartição de recursos e o peso das promessas quando a natureza impõe prazos. Sem atalhos emocionais, observa alianças formadas por necessidade e como a vigilância cotidiana redefine confiança, parceria e esforço compartilhado em uma comunidade que tenta existir longe do mapa.
