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Carlos Marcelo transforma um livro perdido num milagre narrativo

Carlos Marcelo transforma um livro perdido num milagre narrativo

Carlos Marcelo transforma um livro esquecido em milagre narrativo ao reeditar “O Escutador”, romance original de 1958 assinado por Ademir Lins. O que poderia ser apenas um gesto arqueológico se revela uma experiência literária intensa, lírica e carregada de ecos. Mais que um romance, o livro é um exercício radical de escuta: do outro, de si, do silêncio e do que ficou por dizer. Entre memórias, plágios assumidos e delírios de identidade, emerge uma história profundamente brasileira, narrada por um jovem que escutava escritores e, ao escutá-los, escrevia a si mesmo. Um livro raro, perturbador — e absolutamente necessário.

Entre Sidney Sheldon e Rubem Fonseca: onde cabe Raphael Montes? Divulgação / Companhia das Letras

Entre Sidney Sheldon e Rubem Fonseca: onde cabe Raphael Montes?

Tudo começa num sussurro, uma lâmina atravessando o silêncio como se cortasse também o tempo. Há sangue, mas é um sangue asseado, de laboratório, de bisturi, e há um riso que não combina com o corpo no chão. Alguém tropeça em seus próprios medos e chama isso de literatura. Outro ri, fotografando a queda, e vende o retrato como crime psicológico. No fundo, há sempre um cheiro de coisa fingida. Paredes limpas demais. Um monstro de aluguel. A literatura, essa, às vezes aceita sublocação.

Bukowski era mesmo um gênio ou só um velho bêbado misógino?

Bukowski era mesmo um gênio ou só um velho bêbado misógino?

Chovia. Ou talvez fosse outra coisa. Um rangido na janela, a cerveja quente na mão esquerda, a fumaça tentando virar pensamento. A vida não tinha pontuação. Ele olhava para o teto mofado como quem espera Deus responder um xingamento. A máquina de escrever gemia; cada letra era um soco em si mesmo. Alguém batia na porta do quarto 309, mas ele só levantava quando a garrafa esvaziava. E mesmo assim, não era por educação — era porque doía nas costas. Há escritores que vomitam beleza. Outros cospem sangue. Charles Bukowski escarrava.

Seremos obrigados a falar TODES? A nova gramática da militância

Seremos obrigados a falar TODES? A nova gramática da militância

Uma revolução lenta, mas estrepitosa, tem provocado fervorosos debates no Brasil e em outros países de língua latina: o vocabulário neutro. O todes, afinal, veio para ficar? A resposta curta é não. Entretanto, para que se chegue a uma constatação definitiva, há que se ter em análise as nuanças culturais, políticas, idiomáticas e até filosóficas que têm forjado a tal metamorfose, sintoma de um mundo que parece disposto a rejeitar tudo quanto cantava a velha musa — sem, contudo, saber precisar o valor do que deseja eleger como o novo parâmetro.

A Paixão Segundo G.H. é o maior caso de Síndrome de Estocolmo literária do Brasil

A Paixão Segundo G.H. é o maior caso de Síndrome de Estocolmo literária do Brasil

Clarice construiu uma armadilha perfeita. Uma armadilha que se alimenta da vaidade alheia. Quem ousa dizer que não gostou, que não entendeu, que teve sono, imediatamente se sente tolo. E é aí que mora a genialidade do sequestro. O livro transforma o desconforto em aura. E a aura, em reverência. Não porque seja impossível. Mas porque é difícil demais admitir que talvez o desconforto seja maior do que o impacto. Que talvez a experiência não tenha sido iluminadora, mas apenas exaustiva.