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Na minha época não era melhor

Na minha época não era melhor

Cedo demais para ficar mal-humorado. Ainda assim, aborreci-me. Pulei cedo da cama de campanha, fui escovar os dentes, mas me deparei com a bisnaga de dentifrício espremida até o talo, a qual eu havia deixado sobre a Telefunken. Miseravelmente, eu me esquecera de passar na farmácia do Geraldino para comprar Kolynos. De toda forma, o velho farmacêutico recusava-se a me vender fiado ou a aceitar os meus cheques. Não o culpava pela falta de deferência. Além de estar desempregado há meses, a minha caligrafia era ininteligível.

Fahrenheit 451: Bradbury, Cioran e a última fagulha na Avenida Paulista

Fahrenheit 451: Bradbury, Cioran e a última fagulha na Avenida Paulista

Numa era em que tudo convida à distração, pensar tornou-se um gesto insubordinado. Este ensaio percorre as camadas de uma distopia elegante, onde o silêncio foi abolido e a memória, dissolvida. Entre personagens que hesitam, lembram, se curvam ou resistem, emerge a suspeita incômoda de que o maior inimigo da consciência não é a repressão violenta — é a renúncia voluntária. Escrito com fulgor crítico e eco filosófico, o texto propõe uma leitura radical do presente, em que esquecer é fácil demais, e lembrar exige coragem. Há livros que ferem. Outros que despertam. E há os que, como este, fazem os dois.

A educação sentimental de Bob Dylan Divulgação / Walt Disney Studios Motion Pictures

A educação sentimental de Bob Dylan

A Nova York que o filme retrata é, antes de tudo, um sistema vivo. Nos cafés apertados do bairro Greenwich Village, os músicos, críticos, produtores e espectadores formam uma rede densa, onde tudo — canções, opiniões, contratos, amizades — circula, se mistura e se transforma no começo dos anos 1960. O filme é particularmente sensível ao sistema da música folk. O que se vê na tela é uma verdadeira esfera pública em miniatura, na qual onde arte e vida estão profundamente entrelaçadas.

Pepe Mujica: Voz de uma América soberana, uruguaio deixa legado de defesa dos mais vulneráveis e enganos monumentais

Pepe Mujica: Voz de uma América soberana, uruguaio deixa legado de defesa dos mais vulneráveis e enganos monumentais

José Alberto “Pepe” Mujica Cordano (1935-2025) foi um sonhador antes de qualquer outra coisa. Morto ontem, Mujica tornou-se conhecido pela maneira algo romântica como via o expediente político — compreensão que, na verdade, deveria ser a regra. Nos anos 1960, movido pelos ventos da justiça social que balançavam o mundo, tornou-se um militante de esquerda e um dos membros mais ativos dos Tupamaros, grupo de guerrilha urbana que respondeu com saques de armazéns e roubos a bancos, cujo espólio distribuía entre os mais humildes. O sonho de um Uruguai menos injusto custou-lhe 4.300 dias no xadrez.

A cidade onde ninguém envelhece: o vilarejo europeu que virou estudo de caso por causa da música, da dieta e dos livros

A cidade onde ninguém envelhece: o vilarejo europeu que virou estudo de caso por causa da música, da dieta e dos livros

No sul da Itália, um vilarejo à beira-mar desafia o envelhecimento com receitas simples e quase esquecidas: ler em voz alta, cantar canções antigas, partilhar refeições, contar histórias — e ouvir. Em Acciaroli, a longevidade não vem só da dieta mediterrânea ou do clima ameno, mas do pertencimento. Idosos não são isolados, mas reverenciados. A biblioteca local guarda livros rabiscados por gerações; a praça ainda ecoa vozes de corais. Cientistas estudam os segredos do lugar, mas talvez a resposta esteja naquilo que a ciência não mede: a alegria de continuar sendo necessário. Mesmo aos cem anos. Mesmo em silêncio.