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Arco-íris em branco e preto

Arco-íris em branco e preto

A vida era doce, mas não era mole. Destituído de vírgulas rapaduras e outras precauções gramaticais um gato cinza passou sob uma escada amarela na qual um homem preto de uniforme roxo fazia reparos na calha de uma casinha rosa cujo proprietário era um homem branco de olhos azuis e de ar superior. Sentindo-se mais por baixo do que diferencial de sapo um cão caramelo de olhar tristonho permanecia deitado na calçada à espera de que o homem preto de uniforme roxo descesse logo da escada amarela para alimentá-lo com um suculento naco de carne vermelha de preferência um filé.

Leo Lins só disse em voz alta o que muita gente sussurra em jantares de família

Leo Lins só disse em voz alta o que muita gente sussurra em jantares de família

Leo Lins tem razão — e quem o diz não sou eu. Segundo o Artigo 220 da Constituição Federal, que tem vigido desde 5 de outubro de 1988 (até agora, ao menos), é assegurado a qualquer indivíduo, humorista ou não, a liberdade de expressão e informação, sem restrições. Claro que o caso chegará ao STF, na prática uma corte de revisão legislativa, e então, Lins e seus advogados hão de carecer de uma medida extra de sorte para vencer Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, os Torquemadas do Brasil contemporâneo.

Ser culto virou arrogância? Ou a burrice ficou charmosa demais?

Ser culto virou arrogância? Ou a burrice ficou charmosa demais?

Nelson Rodrigues (1912-1980) talvez tivesse de rever seus conceitos ao falar sobre os burros, idiotas e afins. Em certa ocasião, o Anjo Pornográfico, arguto observador da natureza humana, cravou que invejava a burrice, porque era eterna. Estúpidos, néscios, boçais, tolos e ignorantes seguem mesmo compondo uma verdadeira força da natureza, gloriosa, imbatível, chegando ao topo da cadeia de comando pela via democrática, sem ter de dar um grito sequer.

Funk não é o vilão. Mas cantar que vai bater numa mulher pode ser arte?

Funk não é o vilão. Mas cantar que vai bater numa mulher pode ser arte?

O Brasil não é para principiantes, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador não são para principiantes. Nesse suco de desalento, melancolia, aquela inglória luta pela sobrevivência, borbulha, lá no fundo do tacho, força, alegria de viver e obstinação, afinal, a gente vive é de teimoso. Tido por muitos como alienante, banal, vulgar, música barata sem nenhum valor, o centenário samba, para horror das madames, resistiu. E gerou numerosa prole.

Qual livro traduz o seu estado de espírito neste momento?

Qual livro traduz o seu estado de espírito neste momento?

Há dias em que ler é um espelho, não um refúgio. O texto não acalma — revela. Certos livros parecem nos escolher não porque prometem respostas, mas porque colocam palavras exatas onde antes havia apenas um nó, um silêncio, uma sensação imprecisa. O que lemos nesses momentos não nos distrai, nos traduz. E mesmo quando nos ferem, o fazem com uma delicadeza que é quase ternura. Talvez por isso voltemos a eles. Não para entendê-los, mas para sermos, por instantes, compreendidos.