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A seleção feminina suprema da literatura brasileira de todos os tempos 

A seleção feminina suprema da literatura brasileira de todos os tempos 

Antes do apito, a noite ainda escura pousa sobre um gramado de páginas. As linhas brancas são datas, a marca do escanteio guarda anotações a lápis; a tinta fresca insiste no cheiro que fica nos dedos. Do túnel, chegam passos contados, o eco das listas, a memória organizada em quatro, três, três, em respirações que procuram posição. A arquibancada cresce devagar, nomes sussurrados sob as luzes. O país aguarda na borda do campo, ouvido atento, mão no corrimão frio. Ninguém explica nada; abre-se espaço para que a história escolha onde tocar primeiro.

A morte chegou antes dos 27. Aos 25 já tinha escrito mais de 200 canções. Virou lenda

A morte chegou antes dos 27. Aos 25 já tinha escrito mais de 200 canções. Virou lenda

Vila Isabel moldou Noel Rosa com quintais estreitos, vizinhos nas janelas e um fórceps apressado que lhe marcou o rosto. Adolescente atento, aprendeu a responder à dureza com humor, frequentou bares de esquina, colecionou conversas e noites longas. O rádio o puxou para auditórios, o cinema o chamou para a luz, mas ele preferia mesas pequenas e lápis afiado. A tuberculose encurtou caminhos, multiplicou lenços, impôs consultas e promessas de repouso. Em 4 de maio de 1937, aos vinte e seis anos, o país acordou menor, por uma ausência irrespondível.

Preso sem acusação. Consumido pelo câncer. O escritor que obrigou o Brasil a encarar a própria vergonha

Preso sem acusação. Consumido pelo câncer. O escritor que obrigou o Brasil a encarar a própria vergonha

Ele nasceu longe das capitais e aprendeu cedo que a linguagem pode ser abrigo e ferramenta. Entre contas do balcão e noites de lápis, atravessou ofícios, eleições, celas e salas de hospital, e devolveu ao país uma maneira de se ler sem retoques. Sua obra fala baixo e fere fundo: números ditos às claras, personagens que respiram pouco, um Estado que aperta, uma família que conta moedas.

O Pantanal como dicionário. A poesia que mudou a língua. Mas o Brasil só o reconheceu quando seus cabelos já eram brancos

O Pantanal como dicionário. A poesia que mudou a língua. Mas o Brasil só o reconheceu quando seus cabelos já eram brancos

Entre cheias e vazantes, Manoel de Barros escolheu a margem: fez da atenção um ofício, do mínimo um abrigo. Enquanto o Brasil trocava bonde por rodovia, rádio por televisão, regimes por promessas, ele afinou a língua no chão, devolvendo nomes limpos às coisas. O poema dele cabe num bolso e abre respiro em tela acesa. O Pantanal, pressionado, encontra na página um refúgio. Ler Manoel é aprender a baixar o volume e lembrar que a delicadeza também pode sustentar um país.

Ela viveu 29 anos como se fossem 100. Morreu deixando apenas um bilhete como despedida

Ela viveu 29 anos como se fossem 100. Morreu deixando apenas um bilhete como despedida

Ela nasceu em 1930, no bairro da Saúde, Rio de Janeiro, e morreu aos vinte e nove numa manhã de 1959. Entre uma casa apertada e as mesas de madrugada, atravessou auditórios, rádios, boates, e escreveu versos que pareciam medir o pulso do país. Os médicos lhe deram prazos; a rua lhe deu trabalho. Deixou um recado curto antes de dormir e nunca mais acordou. Este perfil busca a pessoa por trás da lenda: a menina tímida, a autora rigorosa, o corpo cansado e a coragem diária, contra o relógio.