Autor: Marcelo Costa

Haruki Murakami: um autor com 50 livros sobre a mesma pessoa

Haruki Murakami: um autor com 50 livros sobre a mesma pessoa

O som do elevador subindo lentamente, como se tivesse consciência de que ninguém estava esperando. O cheiro de papel guardado por décadas, mofado e morno, como a memória dos lugares em que nunca se esteve. Um disco girando sem agulha, um gato observando do vão da porta, a mulher atravessando o quarto com um casaco vermelho que talvez ele só tenha imaginado. Era terça-feira, ou parecia ser. Às vezes a vida se repete com um atraso de trinta segundos. E nesse intervalo — entre o quase lembrar e o não saber — alguém começa a escrever, como quem espera não ser encontrado. Como em “Kafka à Beira-Mar”, mas com menos metafísica e mais poeira.

Roberto Bolaño foi transformado em messias literário por hype editorial

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Bolaño não morreu. Ou melhor, morreu, sim, claro, 2003, Barcelona, fígado em ruínas. Mas é como se não tivesse morrido. A cada dois ou três meses, ele ressurge — em coletâneas, inéditos escavados em pastas esquecidas, reedições com novas capas, novas traduções, novas prefácios assinados por jovens críticos ansiosos por sentar ao lado dele na eternidade. Nunca é suficiente. Bolaño virou voz de oráculo, farol de gerações, tatuagem de curso de letras. E o mais estranho: há algo verdadeiro ali. Mas também há um truque. E o truque não é invisível. É imenso, impresso em papel cuchê. E já dura tempo demais.

Bukowski era mesmo um gênio ou só um velho bêbado misógino?

Bukowski era mesmo um gênio ou só um velho bêbado misógino?

Chovia. Ou talvez fosse outra coisa. Um rangido na janela, a cerveja quente na mão esquerda, a fumaça tentando virar pensamento. A vida não tinha pontuação. Ele olhava para o teto mofado como quem espera Deus responder um xingamento. A máquina de escrever gemia; cada letra era um soco em si mesmo. Alguém batia na porta do quarto 309, mas ele só levantava quando a garrafa esvaziava. E mesmo assim, não era por educação — era porque doía nas costas. Há escritores que vomitam beleza. Outros cospem sangue. Charles Bukowski escarrava.

A Paixão Segundo G.H. é o maior caso de Síndrome de Estocolmo literária do Brasil

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Clarice construiu uma armadilha perfeita. Uma armadilha que se alimenta da vaidade alheia. Quem ousa dizer que não gostou, que não entendeu, que teve sono, imediatamente se sente tolo. E é aí que mora a genialidade do sequestro. O livro transforma o desconforto em aura. E a aura, em reverência. Não porque seja impossível. Mas porque é difícil demais admitir que talvez o desconforto seja maior do que o impacto. Que talvez a experiência não tenha sido iluminadora, mas apenas exaustiva.

4 livros brasileiros elogiados porque ninguém quer parecer burro

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Alguns livros são tão densos, tão labirínticos, tão cuidadosamente intransitivos, que a simples ideia de dizer “não entendi” soa como heresia cultural. Eles não se entregam ao leitor — exigem dele uma espécie de fé intelectual e uma disposição rara para o desconforto. Quem não compreende, elogia. Quem compreende, elogia com medo. No fim, todo mundo finge naturalidade diante da complexidade, como quem disfarça um tropeço com pose. E talvez, só talvez, esse seja o verdadeiro elogio: não à clareza, mas àquilo que não se deixa possuir.