Autor: Eberth Vêncio

Quem vai tomar conta das mulheres quando ninguém estiver olhando

Quem vai tomar conta das mulheres quando ninguém estiver olhando

Escolada na dor, Maria da Piedade receava pela integridade dos filhos, em especial, das pequeninas. Havia uma escalada de violência na comunidade, uma região da cidade abandonada pelo poder público, onde nem mesmo a polícia entrava. Em comum acordo com José Donizete, o esposo há meses desempregado, acordaram que ele acompanharia as crianças, nas idas e vindas da escola, situada a meia hora de caminhada por ruas de terra esburacas e poeirentas.

Os homens são os camundongos de Deus

Os homens são os camundongos de Deus

O movimento de pessoas na rua era intenso. A constatação de que fora acometida por uma amnésia lacunar a consumia. Checou os rins. Abriu a bolsa. O dinheiro, os cartões de crédito, as chaves de casa, o celular, a Beretta e o batom ainda estavam lá. Não fora roubada. Parecia estar noutra cidade. Confusa, cambaleou até uma banca de revistas. Pediu um copo de água com bolinhas. Explicou ao vendedor que havia se perdido e que não reconhecia aquele lugar.

Djavanear para não endoidecer Foto / A.PAES

Djavanear para não endoidecer

Era outono e eu buscava luz. A tristeza no meu peito desandou. Era um sentimento verdadeiro que não passava nem um dia de um fato consumado. Balas cantavam na região da Faixa de Gaza e não tinha como fugir da realidade, pelo oceano, em direção a Malásia ou a Linha do Equador. A maldade humana parecia uma sina a sussurrar eu te devoro. Eu sempre recorria à boa música como uma espécie de alumbramento para apaziguar a angústia. Me arvorei em Djavan. Assisti à homenagem que o apresentador Marcos Mion fez para ele num programa de televisão. Foi bonito de se ver.

Eu conspiro contra o universo

Eu conspiro contra o universo

Não me casei. Não me casei porque não quis. Perdi o juízo aos 38. Tinha passado incólume pelo ímpeto de me atirar de um tédio sobre os braços invisíveis do esquecimento. Sempre fora uma famosa ninguém, uma célebre em nada, uma PhD em pessimismo e neurastenia. A partir de tal ruptura emocional, a primeira atitude que me ocorreu, enquanto persona desajustada, foi aposentar o relógio de pulso nalgum canto da mobília. Recebera como herança um diagnóstico reservado e o relógio de bolso do meu avô paterno, o qual foi solenemente esquecido num poço insondável da minha memória.

O dia em que fiz o gol que Pelé não fez

O dia em que fiz o gol que Pelé não fez

Veteranos em disputa dentro das quatro linhas. Alguém tinha conseguido o contato de um motorista de ambulância. Por segurança. Nunca se sabe. O jogo estava jogado, pegado, duro de assistir, a várzea em polvorosa, a fumaça do churrasquinho serpenteando no ar, os olhos da torcida pregados no campo. Nem tanto assim. Passou uma mulher bonita perto do alambrado e todos a fitaram enfeitiçados. Nossa defesa passava por um sufoco danado, uma verdadeira blitz dos atacantes adversários.