Ele venceu o Oscar em 2025 — e agora você pode ver o filme no streaming Divulgação / Topic Studios

Ele venceu o Oscar em 2025 — e agora você pode ver o filme no streaming

Nada dói mais do que aquilo que se aloja silenciosamente em nós. Quando a ferida é íntima, nenhum consolo externo basta. A tentativa de pertencimento, para muitos, é um ritual de atrito constante, feito de portas que não se abrem, rostos que não acolhem, expectativas que colapsam. E então, após incontáveis desvios, percebe-se que a rota insistida talvez nunca tenha sido a certa. A lucidez vem tarde, com uma lentidão cruel. Mas, por vezes, essa consciência não exige catástrofes irreversíveis: ela se insinua de forma tênue, como uma fresta depois da tempestade, um indício improvável de que algo — ainda que difícil — pode ser reconstruído com sentido.

Aceitar esse vestígio de esperança demanda um tipo peculiar de fé: a fé dos que já fracassaram. É esse impulso, quase suicida em sua entrega, que move certos recomeços. Não há promessas de glória — apenas a possibilidade de continuar. Jesse Eisenberg, em sua estreia como diretor e roteirista de “A Verdadeira Dor”, esculpe essa pulsação interna com uma sensibilidade que desarma. A trajetória de Benjamin Kaplan se desenha entre constrangimentos e ternuras inesperadas, revelando, pouco a pouco, que seu incômodo existencial não é falta de graça, mas excesso de humanidade. O filme mergulha nas fraturas emocionais de dois primos — opostos, complementares — para pensar, com vigor, os limites entre laços familiares e o desespero por reinvenção.

Desde os primórdios, a história humana se construiu sobre ruínas. O que chamamos de civilização frequentemente nasceu da devastação alheia. Quando, raramente, se manifesta alguma forma de paz, nossa primeira reação é duvidar dela. A alegria exige coragem. O cinema de Eisenberg compreende isso: não romantiza o sofrimento, mas também não o descarta. Reconhece que a beleza às vezes se instala no que nos envergonha, no que relutamos em admitir. A perda da avó, sobrevivente do Holocausto, parece instaurar em Benji uma melancolia pelo que não viveu, uma tentativa meio desastrada de resgatar algo que nunca foi seu. E é nessa tentativa — de um retorno ao passado de Dory, na Polônia — que o filme propõe uma viagem literal e simbólica, um deslocamento que não busca redimir, mas compreender.

Com um timing cômico milimetricamente desajustado, Benji arrasta consigo David, o primo mais contido, e um grupo de turistas para uma excursão memorial repleta de ruídos emocionais. Culkin, em estado de alerta criativo, explora os vaivéns entre o ridículo e o trágico com uma entrega admirável. Já Eisenberg, à medida que a narrativa se aproxima do seu clímax, aplica uma torção emocional que reposiciona todas as peças — e todos os afetos. A revelação sobre o comportamento de Benji não apenas ressignifica o filme, como evidencia o olhar clínico do autor sobre a condição humana: Eisenberg sabe que, por trás do riso nervoso, há sempre um abismo.

Se o Oscar premiou Culkin por esse papel com um entusiasmo questionável — Jeremy Strong, em “O Aprendiz”, ofereceu um desempenho infinitamente mais calibrado —, o mérito não pode ser negado: Benjamin Kaplan é inesquecível. E embora Eisenberg tenha sido preterido na categoria de Melhor Roteiro Original, derrotado por Sean Baker, sua escrita em “A Verdadeira Dor” ultrapassa estatísticas. Ele constrói uma narrativa que se inscreve com precisão entre a crueza e a delicadeza, entre o desconforto e a redenção precária. Não se trata de consolar. Trata-se de olhar de frente. E seguir, mesmo com as pernas trêmulas.

Filme: A Verdadeira Dor
Diretor: Jesse Eisenberg
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★