Sob o disfarce confortável de uma jornada de autodescoberta juvenil, “A Lista da Minha Vida” infiltra-se no terreno movediço entre imposição e afeto, elaborando um pacto dramático em que a ternura se confunde com o controle. Alex Rose não é apenas uma jovem órfã em busca de sentido: é uma personagem coagida à reinvenção, pressionada por uma mãe que estende sua influência para além da morte. O filme, dirigido por Adam Brooks e baseado no romance de Lori Nelson Spielman, estrutura-se a partir desse gesto pós-morte — a entrega de vídeos-testamento condicionando a herança à realização de uma lista adolescente —, mas o que poderia ser um convite ao amadurecimento interior se aproxima, por vezes, de um jogo de marionetes travestido de ensinamento maternal. Ao evitar o confronto direto com a profundidade emocional que sua premissa evoca, a narrativa prefere construir um ambiente emocionalmente asséptico, suavizando o impacto dos dilemas propostos com soluções rápidas e romantizações pouco tensionadas.
Há uma contradição latente na forma como o filme equilibra sua estética doce com o conteúdo que se recusa a aprofundar. A perda de uma mãe por uma doença reincidente, por si só, é matéria-prima para rupturas devastadoras, mas aqui se converte em enigma afetivo resolvido com tintas de fábula moderna. A Alex de Sofia Carson oscila entre o sofrimento domesticado e escapadas sentimentais que enfraquecem o peso das perdas. Os momentos de dor se esvaem em diálogos excessivamente explicativos, onde a introspecção é substituída por didatismo emocional. Não há espaço para silêncios expressivos, nem confiança no poder sugestivo da imagem — quando ela, em raras ocasiões, se impõe com vigor, como nos planos em contraluz ou nas cenas em que o tempo parece hesitar. Nesses instantes, o filme quase escapa da fórmula que o engessa, vislumbrando uma poética visual que, infelizmente, não se sustenta como eixo narrativo.
O centro ético do enredo também balança perigosamente sobre uma lógica de permissividade afetiva. A relação amorosa entre Alex e um dos personagens comprometidos ilustra essa fragilidade moral que o roteiro opta por não discutir. Em vez de explorar os conflitos que nascem do desejo em confronto com a lealdade, o filme legitima a transgressão com o véu de um ideal romântico quase pueril, como se o amor bastasse para absolver qualquer incongruência ética. Essa escolha narrativa não é apenas evasiva — ela compromete a espessura dos personagens e enfraquece a capacidade do filme de operar como espelho de dilemas reais. Ao neutralizar os atritos morais em nome da simpatia pelos protagonistas, a história escorrega para uma zona emocional confortável, mas artisticamente limitada, onde tudo parece previamente embalado para agradar sem provocar.
Mesmo as relações familiares que poderiam oferecer um contraponto denso à trajetória da protagonista são tratadas com notável superficialidade. Os irmãos, representados por Dario Ladani Sanchez e Federico Rodriguez, aparecem mais como peças de apoio do que como sujeitos de conflitos próprios. A decisão da mãe de dirigir suas últimas mensagens exclusivamente à filha mais nova é recebida com naturalidade quase desconcertante, apagando a possibilidade de explorar ressentimentos, lacunas de afeto ou disputas silenciosas. Essa omissão narrativa revela não apenas uma escolha de foco, mas uma recusa em encarar a complexidade das dinâmicas familiares que o próprio filme evoca. Em nome de uma linearidade emocional tranquilizadora, o roteiro opta por ignorar as zonas de fricção que poderiam fazer sua trama pulsar com mais autenticidade.
Ainda assim, há no filme um gesto legítimo — ainda que hesitante — de buscar sentido nas ruínas afetivas. A estrutura episódica, que transforma cada item da lista em um pequeno rito de passagem, permite vislumbres de uma reconciliação entre passado e futuro. Fazer uma tatuagem, subir ao palco de um mosh pit, reaprender piano: são atos simbólicos que, embora encenados com certa ingenuidade narrativa, falam da tentativa de recuperar uma juventude perdida não pelo tempo, mas pelo conformismo. O que falta é justamente o risco de se abandonar às incertezas desse reencontro. Ao domesticar seus próprios abismos, “A Lista da Minha Vida” opta por um recomeço sem escombros, uma travessia onde ninguém se fere de verdade — e, por isso mesmo, ninguém muda profundamente.
O filme encerra sua proposta como quem fecha um diário secreto sem revelar suas páginas mais desconfortáveis. Há beleza na forma, harmonia na paleta visual, competência no elenco e até carisma em seu romantismo calculado. Mas falta uma centelha de desobediência criativa, algo que perturbe o conforto e reivindique a verdade emocional com todas as suas arestas. A experiência que oferece é agradável, mas não arrebatadora; tocante, mas não transformadora. Ao fim, permanece a impressão de que o filme tinha em mãos as perguntas certas — sobre luto, legado, identidade e amor — mas escolheu respondê-las como quem teme o próprio eco. É nesse silêncio que o potencial se dissolve, e o que poderia ter sido inquietante se contenta em ser apenas bonito.
★★★★★★★★★★