Maior bilheteria da história da A24, obra-prima de Alex Garland com Wagner Moura acaba de chegar à Netflix Divulgação / A24

Maior bilheteria da história da A24, obra-prima de Alex Garland com Wagner Moura acaba de chegar à Netflix

Em “Guerra Civil”, Alex Garland constrói uma história que, apesar de se passar em um território conhecido e reconhecível, não está interessada em decifrar as origens de um conflito nem em oferecer respostas sobre alianças políticas ou desdobramentos institucionais. O filme escapa deliberadamente da tentação de explicar as causas do colapso americano, concentrando-se no agora — no desespero, na sobrevivência e nas feridas abertas de um país dilacerado.

O espectador não é conduzido por slogans ou pela lógica dos campos opostos; o nome do presidente sequer é revelado. O que se apresenta, em vez disso, é um retrato brutal e sem filtro da degradação humana em tempos de guerra, com o diferencial de que tudo isso se passa em solo familiar, não em um país distante e exótico. Essa escolha narrativa aumenta exponencialmente o impacto da experiência, como se a violência, a anarquia e o medo tivessem atravessado a tela para tomar conta do quintal do espectador.

Não se trata de um filme de guerra no molde tradicional, tampouco de uma distopia enfeitada com exageros. Garland alcança algo mais raro: um realismo especulativo que, embora ficcional, parece inteiramente plausível, construído a partir das rachaduras já visíveis no tecido social dos Estados Unidos. O roteiro é direto, mas não raso; sóbrio, mas impregnado de tensão.

A trama se desenrola a partir da perspectiva de jornalistas de guerra, cujas lentes não funcionam como ferramentas de denúncia, mas como instrumentos de observação crua e imparcial — ou tão imparcial quanto se pode ser no meio do caos. Por meio dessas lentes, atravessamos cidades esvaziadas de lógica, comunidades que simulam uma normalidade frágil e zonas onde a barbárie substituiu qualquer forma de lei. Não há heróis ou vilões bem definidos, apenas seres humanos tentando sobreviver em um território onde a ideologia virou identidade e o poder, uma questão de quem atira primeiro.

A escolha de ambientar o conflito dentro do próprio território americano — e não em algum front remoto — é mais do que um recurso estético. É um gesto simbólico que nos força a imaginar a violência sem o conforto da distância. Em vez de tratar a guerra como algo que acontece “lá fora”, Garland escancara o potencial destrutivo do que pode acontecer “aqui dentro”, ou melhor, do que talvez já esteja acontecendo em silêncio.

A brutalidade das cenas não é espetacularizada, mas sim sentida na pele: o desenho de som, especialmente em projeções como as em IMAX, amplifica cada disparo, cada explosão, cada silêncio opressor entre uma emboscada e outra. A trilha sonora colabora com esse estado de permanente alerta, sacudindo a plateia quando ela começa a se acomodar. Nada aqui é estilizado para agradar; tudo visa perturbar, desestabilizar e fazer pensar.

“Guerra Civil” não busca conquistar o público com discursos inflamados nem com tramas mirabolantes. Seu trunfo é a sobriedade com que retrata o colapso — não o colapso de um sistema político específico, mas o da própria ideia de coesão social. O elenco, encabeçado por Kirsten Dunst e Cailee Spaeny, contribui com interpretações contidas e intensas, que recusam o histrionismo fácil.

Mesmo quando Dunst não atinge momentos de brilho individual, a força do conjunto prevalece. E talvez esse seja outro dos méritos do filme: ao rejeitar protagonistas heroicos e messiânicos, ele opta por personagens que registram, observam e resistem. Eles não nos guiam moralmente, apenas mostram o que se passa — e isso basta para que sejamos engolidos pelo colapso.

Assistir a “Guerra Civil” é menos um exercício de ficção do que um teste de percepção. Garland não propõe um futuro improvável, mas uma extrapolação lógica do presente, em que as fissuras políticas, a fragmentação cultural e o colapso da confiança institucional se transformam em combustível para o desastre. Não há respostas fáceis, nem mensagens explícitas. Há apenas a pergunta implícita que ressoa quando as luzes se acendem: o quão longe estamos disso? O filme não serve como entretenimento ou como manifesto. Ele se mantém como um alerta silencioso, um reflexo distorcido — mas reconhecível — de uma sociedade à beira do abismo.

Filme: Guerra Civil
Diretor: Alex Garland
Ano: 2024
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★