O filme mais sanguinário da Marvel chegou à Netflix — você aguenta assistir até o fim? Divulgação / Columbia Pictures

O filme mais sanguinário da Marvel chegou à Netflix — você aguenta assistir até o fim?

Há uma regra tácita no universo do cinema de ação: quando um filme é ruim, espera-se ao menos que seja malfeito. No entanto, “O Justiceiro: Em Zona de Guerra” desafia essa lógica, posicionando-se como um dos exemplares mais visualmente refinados dentro do espectro dos filmes de qualidade duvidosa. O longa-metragem ostenta uma cinematografia detalhista, ritmo feroz e atuações que, embora operem no limite do cartunesco, são estranhamente convincentes dentro do universo que o filme constrói. Mas sua maior virtude é também seu maior vício: ele não apenas aceita a violência como parte de sua identidade, mas a transforma em espetáculo, elevando-a ao nível de grotesco balé coreografado.

A produção se ancora em uma brutalidade meticulosamente estilizada, oferecendo um cardápio visual que vai do sadismo gráfico ao niilismo narrativo. As cenas de ação são tão exageradas que beiram o absurdo, entregando sequências em que o Justiceiro, interpretado por Ray Stevenson, massacra dezenas de inimigos enquanto gira de cabeça para baixo em um lustre, metralhadoras em punho. Em outro momento, um vilão tem o rosto destroçado por uma máquina de triturar vidro e, mesmo após essa provação, ressurge para se autodenominar “Retalho”, como se sua nova identidade fosse o único paliativo necessário para um destino tão grotesco. Em meio a tudo isso, Nova York — aqui interpretada por Montreal — parece ter sido esvaziada de qualquer traço de humanidade, tornando-se um campo de batalha habitado exclusivamente por psicopatas e vítimas em potencial.

A premissa narrativa tenta inserir um resquício de dilema moral, mas sua execução revela-se tão superficial quanto as entranhas expostas dos personagens. O roteiro estabelece que Frank Castle, em sua cruzada sanguinária, comete um erro fatal ao matar um agente disfarçado do FBI. A culpa, em tese, deveria transformá-lo, torná-lo um anti-herói com camadas mais densas. Mas qualquer tentativa de aprofundamento psicológico se dissolve em meio ao banho de sangue, reduzindo sua crise de consciência a um mero fiapo de argumento. A viúva e a filha do agente servem apenas como artifícios narrativos para alimentar o conflito, sem que qualquer relacionamento genuíno se estabeleça entre elas e o protagonista.

No entanto, seria um equívoco subestimar a competência técnica de Lexi Alexander. A diretora não apenas entende a lógica dos filmes de ação B, mas a abraça com uma convicção inabalável. Diferentemente de tantas produções contemporâneas que tentam suavizar a violência para atingir um público mais amplo, “O Justiceiro: Em Zona de Guerra” assume com orgulho sua classificação indicativa para adultos e investe no choque gráfico sem qualquer reserva. Cabeças explodem, ossos são pulverizados, corpos são reduzidos a pedaços em um espetáculo que não pede desculpas por sua existência.

Ainda assim, nem toda brutalidade bem executada garante impacto duradouro. O filme tenta criar vilões memoráveis, mas Jigsaw e Loony Bin Jim transitam entre o caricato e o descartável, sem jamais atingirem o status de antagonistas verdadeiramente ameaçadores. Dominic West, que interpreta Jigsaw, abandona qualquer tentativa de sutileza e entrega uma performance que flerta perigosamente com a autoparódia. Doug Hutchison, por sua vez, decide seguir pelo caminho da insanidade descontrolada, evocando traços do Coringa de Jack Nicholson, mas sem o charme que tornaria sua versão minimamente envolvente. O resultado é uma dupla de vilões que jamais inspira medo, apenas risadas involuntárias.

Mesmo com esses tropeços, há um aspecto curioso na recepção deste filme: sua falta de pretensão talvez seja sua maior qualidade. Ao contrário de seus antecessores — “O Justiceiro” de 1989, com Dolph Lundgren, e a versão de 2004, estrelada por Thomas Jane — que tentaram, sem sucesso, infundir um ar de seriedade ao personagem, este terceiro capítulo abraça sua essência trash sem hesitação. Lexi Alexander não tenta transformar Frank Castle em um herói trágico, tampouco busca criar uma mitologia complexa ao seu redor. O filme existe puramente como uma ode ao caos, um festival de destruição que se contenta em ser exatamente isso: um prazer culposo para os que apreciam a catarse da violência cinematográfica.

Entretanto, há um limite para o que o exagero pode oferecer. Em um ano que nos trouxe produções como “Homem de Ferro” e “O Cavaleiro das Trevas”, ambas redefinindo o que se espera de adaptações de quadrinhos, “O Justiceiro: Em Zona de Guerra” se apresenta como um fóssil de uma era anterior. Sua estética, sua abordagem e sua lógica pertencem a um tempo em que a ação desenfreada era suficiente para sustentar um filme inteiro. Mas, em uma indústria que evoluiu para oferecer narrativas sofisticadas e personagens tridimensionais, o longa se sente deslocado, uma relíquia de um tempo em que o peso da carnificina ainda não precisava de justificativa.

E talvez o maior sinal de sua irrelevância resida na ausência de um elemento icônico: Stan Lee, cuja presença é praticamente mandatória nos filmes da Marvel, sequer se preocupou em fazer uma participação especial. No fim das contas, se nem o próprio criador viu razão para aparecer, talvez o público também não devesse.

Filme: O Justiceiro: Em Zona de Guerra
Diretor: Lexi Alexander
Ano: 2008
Gênero: Ação/Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★