No Prime Video, a trajetória de um ícone: entre glória e desafios Divulgação / Warner Bros. Pictures

No Prime Video, a trajetória de um ícone: entre glória e desafios

Christopher Reeve (1952-2004) precisava vencer uma forte alergia a equinos se quisesse protagonizar “Anna Karenina” (1985), a quarta versão do clássico do novelista russo Liev Tolstói (1828-1910), decerto a história de amor mais triste de todos os tempos. Levada às telas cinco vezes, entre 1935 e 2012, o caso fictício entre a protagonista, Anna Kariênina, mulher de Alieksiéi Kariênin, alto comissário do czar Alexandre 2º, com o Conde Vronsky, oficial da cavalaria, termina mal, como qualquer um sabe, mas o diretor Simon Langton já havia percebido que o carisma e a beleza de Reeve eram o bastante para atrair outros públicos, e assim um dos vilões mais abjetos da literatura universal ganhou espaço e uma cara definitiva num dos vários capítulos surpreendentes da biografia do ator, para muito além do indestrutível Homem de Aço. 

“Super/Man – A História de Christopher Reeve”, contudo, é um grande filme justamente por revelar quem estava por trás da fantasia. Na tarde do dia 27 de maio de 1995, Reeve cavalgava no centro equestre Commonwealth Park em Culpeper, Virgínia, quando seu cavalo refugou antes do pulo sobre uma barreira de um metro de altura. O triunfo sobre o que fora um obstáculo há uma década, transformado numa paixão, custou-lhe uma queda de cabeça, com a qual fraturou as duas primeiras vértebras cervicais e ganhou uma lesão permanente na medula espinhal. Quão sadicamente irônico o destino pode ser.

Reeve não morreu naquela ocasião, mas sua vida poderia ter acabado ali mesmo. No entanto, os diretores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui e o corroteirista Otto Burnham jogam luz no temperamento resiliente de Reeve, que é mostrado sempre disposto, vendendo coragem e até bom-humor, numa certeza irracional da reversão da tetraplegia. Antes de chegar a esse tópico, “Super/Man” elabora um retrospecto da carreira de um dos homens mais bonitos que Hollywood já vira, desde as montagens experimentais de Shakespeare na Juilliard, uma das mais prestigiadas escolas de teatro do mundo, onde conhecera Robin Williams (1951-2014), seu amigo da vida toda, ao superestimado “Superman” (1978), de Richard Donner (1930-2021), fenômeno de público e bem-acolhido pela crítica. 

Por meio de Williams, Bonhôte e Peter Ettedgui chegam ao Reeve marido e pai, com os depoimentos de Matthew e Alexandra, os filhos da relação com a ex-modelo e produtora londrina Gae Exton — os dois nunca oficializaram a união devido a uma espécie de pacto por liberdade, que acabou num distanciamento gradual e melancólico — e William, do casamento com a cantora e atriz Dana Morosini (1961-2006). Dana, que abdicou de uma trajetória promissora em seu ofício para ser empenhar-se exclusivamente aos afazeres domésticos, aos enteados e ao pequeno Will, que chegaria um ano depois, jamais arriscaria cravar a profundidade das mudanças trazidas por sua vida conjugal. E é precisamente Dana quem encarna a funesta reviravolta do longa.

Outras entrevistas, com amigos e colegas a exemplo de Susan Sarandon, Glenn Close, Jeff Daniels e Whoopi Goldberg, ajudam a recuperar boa parte da veia criativa de Reeve, que depois do acidente foi para trás das câmeras e dirigiu “Armadilha Selvagem” (1997) e “A História de Brooke Ellison” (2004), trabalhos sensíveis e plurais em que tratava de sempre destacar um olhar heroico sobre os temas e os protagonistas. Eu, que não sou super-herói nem nada, flagrei-me deixando escapar uma ou outra lágrima por Christopher e por Dana, e pensando sobre o amor e a finitude, no fundo coisas muito próximas. No fundo, a vida de Christopher Reeve foi uma história de amor.

Filme: Super/Man - A História de Christopher Reeve
Diretor: Ian Bonhôte e Peter Ettedgui
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Documentário
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.