Indicado ao Oscar, filme que impactou uma geração e foi um marco no cinema, na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Indicado ao Oscar, filme que impactou uma geração e foi um marco no cinema, na Netflix

A infância é um período marcante e transformador, repleto de experiências que moldam nosso olhar sobre o mundo e sobre nós mesmos. Em “Conta Comigo”, Rob Reiner captura essa essência de forma notável, conduzindo o espectador por uma jornada que é, ao mesmo tempo, nostálgica e reflexiva. A narrativa foca nas primeiras vivências de quatro amigos que, em um verão inesquecível, enfrentam desafios que testam não apenas sua coragem, mas também sua percepção de amizade, perda e amadurecimento. Reiner equilibra delicadamente momentos de serenidade com passagens intensas, criando um retrato sincero e cativante da infância sem jamais ceder ao óbvio ou ao meramente sentimental. Ele confia no público para embarcar nessa viagem emocional, permitindo que as memórias e experiências individuais ressoem com as histórias contadas na tela. A magia do filme reside na maneira como se desvenda lentamente, convidando o espectador a se identificar com os personagens e a enxergar, neles, reflexos de sua própria jornada.

A adaptação do conto “O corpo”, de Stephen King, presente na coletânea “Quatro Estações”, mantém o suspense característico do autor, mas apenas em pontos estratégicos. O foco principal de Reiner é uma narrativa fluida que mistura habilmente episódios paralelos e fantasias infantis, sem perder o fio condutor da trama. A história é apresentada como um flashback, onde se revela que Christopher Chambers, interpretado por River Phoenix, foi morto ao tentar apartar uma briga. Essa tragédia, inicialmente, não causa um impacto imediato, pois o diretor habilmente suaviza sua brutalidade, conectando-a gradualmente à essência do enredo. Enquanto isso, Gordie Lachance, vivido por Wil Wheaton, assume um papel central como narrador, mostrando-se claramente o alter ego de King. Gordie é um garoto introspectivo, lidando com a transição da infância para a adolescência, marcado pela rejeição paterna e pela perda de seu irmão mais velho, interpretado por John Cusack. Ele encontra conforto em sua imaginação fértil e no talento para escrever, elementos que o sustentam em meio às adversidades.

A trama ganha intensidade quando, em um verão de 1959, Gordie e seus amigos — Chris (o líder carismático), Vern (o ingênuo e rechonchudo, vivido por Jerry O’Connell) e Teddy (Corey Feldman, com uma mistura de bravura e fragilidade) — decidem explorar rumores sobre um cadáver oculto em uma floresta distante. A busca pelo corpo de Ray Brower, um jovem cuja história ressoa de forma inquietante com a de Gordie, leva o grupo a uma jornada que combina aventura, perigo e autodescoberta. A emblemática cena dos trilhos sobre o rio Willamette, onde os garotos enfrentam a iminência da morte, simboliza a transitoriedade da infância e o peso das escolhas que começam a definir o futuro. Reiner transforma as metáforas de King em imagens poderosas, desde os trilhos que representam a jornada da vida até a constante presença da morte como sombra e catalisador de crescimento.

No desfecho, as linhas entre o passado e o presente se entrelaçam, revelando não apenas o destino trágico de Ray Brower, mas também as profundas marcas que essa experiência deixou nos personagens. Gordie, por meio de sua narrativa, expõe sentimentos complexos sobre sua relação com o pai, a perda irreparável do irmão e, acima de tudo, sua luta para encontrar um lugar no mundo. A história de Conta Comigo transcende a aventura de verão para se tornar uma reflexão atemporal sobre amizade, perdas e as inevitáveis transformações que moldam quem somos. O filme captura com maestria o momento em que a inocência dá lugar à compreensão do mundo real, e cada um dos personagens, especialmente Gordie, representa fragmentos dessa transição universal.

Mais do que uma obra nostálgica, “Conta Comigo” é um testemunho pungente do amadurecimento. A trajetória de Gordie Lachance, repleta de dor e beleza, ecoa profundamente em todos nós. Assim como ele, eventualmente ouvimos o grito abafado do escritor — ou do sonhador — que habita em nós, exigindo que encaremos nossas verdades e demos o próximo passo em direção ao crescimento. Essa é a verdadeira força do filme: mostrar que, apesar das dificuldades e das perdas, sempre há uma estrada a seguir e uma história a contar.

Filme: Conta Comigo
Diretor: Rob Reiner
Ano: 1986
Gênero: Aventura/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★