O primeiro filme da franquia de terror mais famosa dos videogames está na Netflix Divulgação / Screen Gems

O primeiro filme da franquia de terror mais famosa dos videogames está na Netflix

O século 21 rompe com a eterna obsessão do cinema por monstros, vampiros, zumbis, lobisomens e così via. “Resident Evil — O Hóspede Maldito” é uma mistura dos filmes de John Carpenter, destaque para o memorável “Eles Vivem” (1988) e “Fantasmas de Marte” (2001), nem tão bom assim, com a literatura de aeroporto de Stephen King, cujos títulos resultaram em filmes soberbos, a exemplo de “Louca Obsessão” (1990), dirigido por Rob Reiner, e “1922” (2017), levado a tela por Zak Hilditch, frisando-se que nesses dois últimos não existe nada de francamente sobrenatural além da maldade humana. No primeiro longa de uma franquia de sete filmes cuidadosamente espalhados entre 2001 e 2021, Paul W.S. Anderson estabelece alguns marcos do que se vai constatar nas histórias nascidas com o lendário videogame criado pela japonesa Capcom em meados dos anos 1990: uma heroína frágil, mas pertinaz, desafiada a superar uma contingência infeliz com o propósito de derrotar um inimigo que jamais se deixa ver.

Na longa abertura, o minucioso roteiro de Anderson traça uma linha do tempo da Umbrella, que chega ao terceiro milênio como a mais poderosa entidade comercial dos Estados Unidos. Nove em cada dez lares americanos dispõem de produtos dessa megacorporação. A influência dessa gigante das pequenas e fabulosas transações está em toda parte e sua hegemonia no ramo de desenvolvimento de softwares, insumos médicos e planos de saúde, o diretor-roteirista chega ao núcleo da questão afinal, é inalcançável. Ninguém sabe quantos bilhões de dólares a companhia movimenta todos os meses, porém é de domínio público que o grosso de seu lucro vem de atividades voltadas à tecnologia militar, experiências genéticas e produção de armas virais. A ótima direção de arte de Tony Reading põe em cena um par de braços mecânicos diligentemente manobrados por um geneticista numa sala adjacente, separada por um vidro. Ele manuseia frascos com cepas virais de toda sorte, e tudo corre na mais perfeita normalidade, até que o recipiente vai ao chão e se quebra. A onipresente computação gráfica registra microscópicas partículas do material se deslocando para a saída de ar do laboratório, espalhando-se por todo o edifício e, claro, multiplicando exponencialmente os focos de contágio de uma moléstia que transformará seres humanos em mortos-vivos. Até que a candidata a salvadora da humanidade deste apocalipse biológico se apresenta.

Milla Jovovich dá conta de três personagens, saindo-se melhor na pele de Alice, a abnegada mocinha empenhada em deter a ameaça invisível ao passo que tem de se concentrar em façanhas não menos admiráveis, como alvejar uma matilha de dobermans geneticamente modificados. A Rain Ocampo de Michelle Rodríguez também encontra seus momentos de protagonismo, e “Resident Evil — O Hóspede Maldito” acaba sendo, quem diria, uma boa alegoria sobre o tal empoderamento feminino, expressão que transformou num autêntico vício de linguagem, quiçá um pleonasmo. Voltando ao leito, escatologia e redenção são aqui braços de um só monstro.


Filme: Resident Evil — O Hóspede Maldito
Direção: Paul W.S. Anderson
Ano: 2002
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.