Houve um tempo em que os dramas românticos dominavam Hollywood, sendo o romance o gênero mais apreciado. Atualmente, enquanto as comédias românticas são abundantes, os dramas que verdadeiramente exploram o poder transformador do amor são raros e, muitas vezes, situados em épocas passadas.
A razão disso reside no fato de que, numa era onde o sexo é onipresente, o impacto do amor tem se diluído. Com essa perspectiva, “O Despertar de Uma Paixão”, inspirado na obra de William Somerset Maugham publicada em 1925, mantém sua relevância, apresentando-se como um trabalho intelectualmente estimulante que poucas produções cinematográficas conseguem igualar.
John Curran, o diretor, interpreta fielmente o romance de Maugham. Kitty, interpretada por Naomi Watts, é pressionada pelos pais a se casar devido à sua condição de solteira, algo mais preocupante para eles do que para ela própria.
Ambientado na década de 1920, quando as expectativas sociais sobre as mulheres eram restritivas, a história revela uma pressão familiar que força Kitty a um casamento não desejado com Walter Fane, um biólogo, retratado por Edward Norton. Fane, embora apaixonado, propõe casamento de maneira apressada e insensível, devido ao seu iminente retorno a Xangai para combater epidemias, em especial o cólera.
A adaptação de Curran destaca-se por sua fidelidade ao texto original de Maugham, preservando sua profundidade filosófica e questionando a instituição do casamento. A narrativa, escrita por Ron Nyswaner, sugere que a união matrimonial não necessariamente traz felicidade, e que duas pessoas infelizes não se tornarão mais felizes apenas por se casarem. Em um ambiente adverso na China dos anos 1920, a trilha sonora de Alexandre Desplat intensifica a sensação de isolamento dos protagonistas, complementando a direção visual que expõe um cenário de miséria e doença.
No desenrolar da trama, Kitty, entediada e desesperada, envolve-se com Charlie Townsend, um diplomata sedutor interpretado por Liev Schreiber. Este relacionamento extraconjugal traz consequências que moldam o desfecho da história. Watts entrega uma performance convincente de uma mulher leviana e manipuladora, contrastando com a austeridade de Fane e o oportunismo de Townsend. A dinâmica entre esses personagens evidencia a complexidade emocional e os conflitos internos que marcam suas vidas.
A representação de Kitty por Naomi Watts, diferente da versão de Greta Garbo na adaptação de 1934, traz uma personagem ainda mais intensa e enigmática. A adaptação de Curran, comparada à versão pálida de 1957 dirigida por Ronald Neame, enfatiza o caráter impetuoso e desafiador de Kitty, oferecendo uma análise profunda das suas motivações e comportamentos.
“O Despertar de Uma Paixão”, na Netflix, explora com maestria a acrimônia das vidas de seus personagens principais. O filme sugere uma possibilidade de redenção apenas para Kitty, que, ao final, recusa uma reaproximação com Townsend após a saída definitiva de Fane de sua vida. A narrativa conclui com uma reflexão sobre a transformação pessoal e a busca por uma nova direção, sugerindo que, mesmo após um casamento fracassado, há espaço para recomeços e renovação espiritual.
Essa produção se destaca como uma poderosa análise dos romances fracassados e das nuances do mal nas relações humanas, mantendo-se fiel ao espírito do romance de Maugham e oferecendo ao público uma experiência cinematográfica rica em conteúdo emocional e filosófico.
Filme: O Despertar de Uma Paixão
Direção: John Curran
Ano: 2007
Gênero: Romance/Drama
Nota: 10/10




