O live-action mais esperado de 2024 acaba de estrear na Netflix e já é um dos filmes mais assistidos do mundo Divulgação / Netflix

O live-action mais esperado de 2024 acaba de estrear na Netflix e já é um dos filmes mais assistidos do mundo

Nada vem do céu sem um propósito, ouve-se no início de “Golden Kamuy”. Em seu filme, Shigeaki Kubo consegue mesmo estender-se sobre a história muito particular de Saichi Sugimoto, o Imortal, veterano da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), que parte para Hokkaido atrás de um tesouro. Kubo adapta a série de mangás de SatoruNoda, publicado em 32 volumes na revista “Young Jump” de 2014 a 2022, de modo a realçar o destemor de Sugimoto, um dos raros sobreviventes em meio às sessenta mil baixas japonesas no conflito, enquanto marcha para o extremo norte do Japão.

O roteiro de Tsutomu Kuroiwa mantém-se fiel a muitos dos temas abordados por Noda, mas também junta à narrativa sua própria ideia de um guerreiro perdido em lembranças que se materializam nas dezenas de cicatrizes que Sugimoto esconde sob a farda e aquelas à mostra num semblante ainda combativo, mas melancólico, quiçá contemplando a névoa de um amor improvável. Cada um reivindica o que considera ser justo, e sentimentos como amor, fúria, desejo, ganância sobem e descem na escala da vida de acordo com o lugar em que nos achamos. Sugimoto trava essa guerra íntima deixando-se guiar por sua experiência em abrir flancos e conter as hordas de invasores que partem para cima de muito mais que um corpo físico num lugar supostamente errado.

Depois que as tropas japonesas garantem a hegemonia sobre a Rússia e capturam Porto Arthur, a base naval daquele país, Sugimotosente-se à vontade para cuidar da própria vida. Uma vez em Hokkaido, depara-se com um soldado com quem pode ter combatido na Batalha da Colina 203, a mais sangrenta e a decisiva, da qual tomaram parte 130 mil homens. O ano 37 da era Meiji, quando a guerra é declarada, oculta uma lenda cuja veracidade o guerreiro comprova.

Nos corpos de duas dúzias de condenados fugitivos, fora tatuado o mapa que conduz ao lugar exato onde repousa o ouro, propriedade dos ainus, um povo originário do Japão, encontrado em maior número em Hokkaido e na região nordeste do país, e na Rússia, nas ilhas Curilas, Sacalina e Kamchatka. Essa é a deixa para que Kubomencione o encontro de seu anti-herói com Asirpa, a garota ainu que o salva do primeiro ataque de uma ursa-parda que passeava com seu filhote, passagem que lembra muito o famoso trecho de “O Regresso” (2015), de Alejandro González Iñárritu, ainda que a computação gráfica aqui não seja lá um primor de esmero.

Kento Yamazaki e Anna Yamada respondem por quase toda a graça desse filme um tanto monótono, que se desdobra para atingir o público leigo, sem muita ideia do que esperar da trama. Sugimoto é o emblema de uma crescente pasteurização do novíssimo cinema nipônico — os desenhos de Noda ocupam 31 volumes, o que pressupõe uma daquelas franquias que matam os fãs com suavidade, numa tortura doces. E Saichi Sugimoto é muito bom nisso.


Filme: Golden Kamuy
Direção: Shigeaki Kubo
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Ação/Aventura
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.