Para quem tem estômago de ferro: sangrento e engraçado, o melhor filme de ação da Netflix nos últimos 3 anos Divulgação / Netflix

Para quem tem estômago de ferro: sangrento e engraçado, o melhor filme de ação da Netflix nos últimos 3 anos

Em um íntimo compartilhamento de emoções e segredos no ambiente da alcova, um casal revela nuances profundas de sua relação. Neste espaço de confidências e desentendimentos ocasionais, a esposa surpreende ao anunciar uma gravidez, fruto de uma ligação com o falecido irmão de seu marido. 

Esta narrativa não pertence aos personagens principais de “The Trip” (2021), um filme que, através de uma abordagem metalinguística, oferece apenas um vislumbre inicial do que se desdobrará ao longo de 110 minutos. No filme, Aksel Hennie interpreta Lars, um diretor de melodramas de baixo calibre que interrompe uma filmagem para retornar ao seu lar e reencontrar-se com Lisa, personagem de Noomi Rapace, uma atriz cuja carreira não atingiu o sucesso esperado.  

Em breve, o casal Lars e Lisa, cujos nomes formam uma aliteração que adiciona um leve toque humorístico ao roteiro, embala seus pertences para uma estadia em um chalé que Mikkel, pai de Lars e interpretado por Nils Ole Oftebro, lhes concedeu como uma tentativa de reparar um casamento que se desintegra. O cineasta norueguês Tommy Wirkola, que dirige o longa, gradualmente revela que o verdadeiro propósito de Lars e Lisa é diametralmente oposto à recuperação de qualquer amor perdido. O casal concluiu que apenas uma reviravolta fatal poderia resolver suas complexas desavenças, que transcendem a simples falta de entendimento. 

De maneira inesperada, tanto Lars quanto Lisa arquitetam um plano nefasto: seduzir o outro até a cabana isolada e perpetrar um assassinato, visando o lucro do seguro de vida, um enredo que ressoa com o filme argentino “La Misma Sangre” (2019). Talvez a profunda conexão entre eles fosse tão intensa que, mesmo sob circunstâncias extremas, ambos chegaram à mesma solução macabra, o que se torna um obstáculo intransponível para qualquer tentativa de sucesso individual. A engenhosidade do roteiro de “The Trip” reside em suas numerosas viradas de mesa, originadas da bizarra coincidência de intenções assassinas.  

Com a revelação dessas intenções por Lars, e com a cômica ajuda de Viktor, um antigo funcionário do casal interpretado por Stig Frode Henriksen, Wirkola entrega uma direção que aproveita os métodos clássicos dos thrillers, capturando cenas em espaços confinados com uma câmera ágil que, mesmo marcada ocasionalmente por uma gota de sangue, adiciona um apelo estético intrigante. Com os planos de ambos expostos, a narrativa avança para um jogo intensamente estratégico, alternando entre cenas de comédia inadvertida e a iminente tragédia, reminiscente de “Atração Fatal” (1987), de Adrian Lyne. 

O clímax da trama se intensifica com a chegada de três personagens secundários, fugitivos que se refugiaram no chalé dias antes para evitar a captura policial. Este trio, liderado por Petter, interpretado por Atle Antonsen, catalisa eventos que conduzem a história a um desfecho impressionante, enquanto cada um desenvolve seu próprio arco dramático. O que segue é a parte mais tensa do filme, marcada pela ameaça de violência contra Lars por parte de Dave (Christian Rubeck), com a ajuda de Roy (André Eriksen). Este momento desperta em Lisa, interpretada por Rapace, um súbito sentimento de compaixão, culminando em uma fuga desesperada. 

Destacando-se no elenco, Aksel Hennie entrega uma performance memorável como Lars, inicialmente retratado como arrogante e egoísta, para depois mostrar uma faceta heroica ao engendrar um plano audacioso de contra-ataque. Com a reentrada de Mikkel na narrativa, provocada por um chamado de Hans (Tor Erik Gunstrom), um local, o filme encena uma série de confrontos dinâmicos, levando os inesperados heróis através de perigos inúmeros, que culminam numa terapia de casal insólita e sangrenta. 

“The Trip”, repleto de complexidades narrativas e ricas camadas de personagem, apresenta uma reflexão profunda sobre as contradições do amor conjugal, alternando entre momentos de leveza e intensidade dramática. O filme, enquanto evoca comparações com ícones do gênero como “Kill Bill” (2003) de Quentin Tarantino, mantém uma identidade distinta, explorando a dor e o prazer inerentes à vida a dois. O amor, em sua essência, tanto pode curar quanto ferir profundamente. 


Filme: The Trip
Direção: Tommy Wirkola
Ano: 2021
Gênero: Ação/Comédia
Nota: 9/10