O filme que cientistas consideram o mais agonizante e perturbador da história do cinema está na Netflix Divulgação / A24

O filme que cientistas consideram o mais agonizante e perturbador da história do cinema está na Netflix

No filme “Hereditário”, os tormentos humanos reverberam como sinos em uma catedral esquecida no deserto, ecoando até os confins do mundo uma lembrança de condenação eterna, da qual poucos conseguem escapar ao interpretar literalmente o pessimismo e niilismo do tema central. Ari Aster molda seu filme como um caldeirão onde deposita uma coleção de ressentimentos e sentimentos amaldiçoados que afligem uma família, cozinhando-os lentamente até que desta mistura surja a essência com que constrói um enredo permeado de amargura.

Inicialmente, o cineasta dedica-se a um intricado jogo que se estende por três gerações, e a partir deste processo forma uma narrativa dolorosa, cujo desconforto persiste mesmo após as mais de duas horas de exibição, que se desenrolam num ritmo que oscila entre o dinâmico e o contemplativo, mas sempre consistente. Para Aster, cativar o público, ampliar o suspense e transformá-lo em um terror psicológico que transcende a ansiedade e afeta também o bem-estar físico de quem assiste até o final faz parte de uma estratégia bem-sucedida, superando as expectativas elevadas de quem se deixa encantar pelo que é exibido na tela e surpreendendo os que resistem — até certo ponto —, um grupo talvez vocal, mas marginalizado em uma hierarquia de silêncios.

Aster esculpe uma trama originada de sua imaginação, embora possa parecer que ele esteja adaptando um conto de realismo mágico de Edgar Allan Poe ou de horror cósmico de H.P. Lovecraft, onde predominam elementos que desafiam a razão, focando no imprevisível. De relance, a escolha do cineasta de apresentar um breve resumo de seu filme em uma tela preta no prólogo parece ser um esforço para capturar a essência do infortúnio da vida, algo que ele efetivamente alcança.

À primeira vista, “Hereditário” pode ser comparado a um comunicado de jornal sobre um crime hediondo, formalmente extravagante, que logo é esquecido na rotina diária de luta dos indivíduos comuns contra seus desafios mais pessoais. No primeiro ato, o diretor fornece ao público algumas pistas sobre suas intenções e logo começa a desvendar a fachada que envolve seu roteiro e seus personagens, mencionando a morte de uma senhora idosa, a matriarca que parecia ser o pilar de uma família repleta de segredos.

É preciso ter cuidado ao interpretar a série de maldições que rondam os Graham, começando por Annie, a mãe sobrecarregada e histérica interpretada por Toni Collette — e é difícil definir o que mais a caracteriza, se é o esgotamento ou a histeria. Embora nada seja como parece, Annie tenta convencer o marido, Steve, interpretado por Gabriel Byrne, de que eles têm um casamento feliz. Essa poderia ser a verdade, não fosse pelo fato de que eles são os pais de Peter, interpretado por Alex Wolff, e de Charlie, interpretada por Milly Shapiro, cada um sendo a fonte das maiores amarguras do outro por razões completamente opostas e em igual medida.

Do segundo para o terceiro ato, Aster remove as vendas dos olhos daqueles que se recusavam a reconhecer a grandiosidade até então oculta do filme; é quando ele claramente expressa seu desejo de discutir as dificuldades da vida conjugal, tão idealizada por muitos, especialmente após a chegada dos filhos. No final, em uma atuação contida onde nada é excedente, Wolff se destaca ao encarnar um certo Paimon, um dos elementos que explica tanta loucura e tragédia na história. Porém, ele está longe de ser o único fator.


Filme: Hereditário
Direção: Ari Aster
Ano: 2018
Gêneros: Thriller/Mistério/Terror/Drama
Nota: 10