O premiadíssimo e encantador filme, com Renée Zellweger, que vai melhorar o seu dia e deixar sua vida mais leve, está Netflix Divulgação / Summit Entertainment

O premiadíssimo e encantador filme, com Renée Zellweger, que vai melhorar o seu dia e deixar sua vida mais leve, está Netflix

Ser um espírito livre de verdade num tempo em que as poucas almas nobres que chegavam ao mundo vinham cercadas por preconceito em medida exponencialmente maior que hoje era um desafio que nem todos podiam vencer. Beatrix Potter (1866-1943), uma personalidade colorida da Inglaterra da segunda metade do século 19, revela seus lados mais obscuros em “Miss Potter”, o retrato em água-forte de uma mulher encantadora, lutando por independência enquanto se concentra em livrar-se do domínio de gente que acha saber o que é melhor para ela e botar para fora sentimentos e percepções sobre o mundo que a cerca.

Chris Noonan é um especialista em tirar lirismo de onde os outros só veem banalidade e escárnio, e até hoje é alvo de julgamentos por “Babe — O Porquinho Atrapalhado” (1995), fábula sobre a urgência nietzschiana de tornar-se quem se é, transmudada para uma mulher terna, mas convicta de suas méritos, o que, por óbvio, assustava e enraivecia homens de há 160 anos, malgrado Potter tenha tido a chance de molhar a ponta dos dedos no oceano tépido do amor — e por pouco não se afogar na corredeira de uma paixão inesperada. Noonan usa de recursos inventivos como pinceladas de animação para encharcar-se no âmago de sua protagonista, como se os tipos que criou ganhassem vida, saíssem das páginas de seus contos e chamassem-nos para uma dança ritmada e sem hora para acabar, em que pese o roteiro de Richard Maltby Jr. fazer questão de esclarecer que a vida da autora não foi nenhum mar de rosas.

Uma solteirona esquisita. É assim que a sociedade de South Kensington, a oeste do centro de Londres, enxerga Potter e seus cadernos preenchidos com adoráveis coelhinhos de todas as formas e tamanhos, obsessão que, anos depois, acaba por definir seu futuro profissional. Renée Zellweger confere à figura doce e atormentada da escritora, ilustradora e especialista em fungos (!) uma confusão natural e repleta de possibilidades, lembrando vagamente a loira (quase) angelical Roxie Hart da versão de Rob Marshall para “Chicago”(2002), empreitada em que transpõe para o cinema, com as adaptações de praxe, por óbvio, a mágica do que se via na ribalta, conseguindo num só golpe firmar-se como um dos realizadores de Hollywood que melhor personificaram a aura feérica e glamorosa das manifestações artísticas.

Se Roxie Hart dá cabo do amante que já não a procurava e convence o marido a bancar sua defesa, Beatrix Potter parece doloridamente solta na vida, até que Norman Warne, o sócio mais jovem da editora fundada por ela, manifesta interesses além dos mercadológicos. Ewan McGregor aporta no enredo disposto a aplacar a solidão de sua parceira comercial e, ao fazê-lo, inspira no público aspirações românticas que vêm a calhar numa trama desse jaez. Warne foi essencial na consolidação de Potter como ficcionista de sucesso, com “A História de Pedro Coelho” (1901), marco da literatura infantil, ainda que sua sorte amorosa vire de modo tão drástico.


Filme: Miss Potter
Direção: Chris Noonan
Ano: 2006
Gêneros: Romance/Drama/Biografia
Nota: 9/10