Épico com Brad Pitt é um dos maiores tesouros da história do cinema Divulgação / Summit Entertainment

Épico com Brad Pitt é um dos maiores tesouros da história do cinema

Alguns filmes na história do cinema possuem a habilidade, entre mágica e intervindo com rigor no aspecto mais humano, de entrelaçar histórias profundamente pessoais com a pretensão pedagógica de alcançar verdades universais, sem renunciar ao lirismo. Jean-Jacques Annaud vai muito além do filme de exploração e do retrato de indivíduos comuns, que cometem equívocos e, ao término de um processo visivelmente desafiador e doloroso, aprendem suas lições e tentam reparar suas faltas na medida do possível.“Sete Anos no Tibet” escapa com folga do clichê das narrativas hagiográficas que idolatram falsos heróis, uma praga que assola periodicamente a indústria cinematográfica. Aqui, temos a vida em sua crueza, em todos os seus movimentos mais intensos, acalmando-se aqui e ali diante das reviravoltas do destino.

O script elaborado por Becky Johnston extrai da autobiografia de Heinrich Harrer (1912-2006) os elementos que possibilitam organizar a trama em três partes irregulares, conferindo a cada uma a importância que julga adequada. Annaud retrata Harrer como um playboy irresponsável que abandona Ingrid, a esposa grávida, interpretada por Ingeborga Dapkunaite, para realizar o delírio — tão viável quanto perigoso — de escalar o Nanga Parbat, a nona montanha mais alta do mundo nos Himalaias, a cadeia de picos gigantescos do planalto tibetano.

Como a direção de arte de Claude Paré tão bem evidencia, Harrer não é nenhum santo: na estação de trem (sempre elas!) em que o austríaco embarca para a Índia, de onde caminharia quarenta quilômetros até o Paquistão, estão dispostas como troféus as bandeiras com suásticas negras em fundo vermelho. Em 29 de julho de 1939, quando tenta chegar ao topo do Nanga Parbat, Hitler está a pouco mais de dois meses de declarar guerra ao resto do mundo em nome de suas idiossincrasias hediondas.

Harrer era membro do partido nazista desde 1933, e a conquista do Nanga Parbat era uma estratégia do facínora para difundir no Oriente o conceito da pretensa superioridade ariana. Como se sabe, o objetivo do montanhista — e, felizmente, também o nazismo, muito longos seis anos depois — acabou frustrado.

Na segunda parte, a mais densa, encontra-se a essência do texto de Harrer e Johnston. No início do segmento, a relação com Peter Aufschnaiter (1899-1973), interpretado por David Thewlis, que certamente teria proporcionado um protagonista superior a Pitt — não fosse a necessidade de manter o orçamento de setenta milhões de dólares contratando uma estrela atraente para o papel principal — parece prestes a descambar para agressões físicas ou até mesmo homicídio, mas os dois, naturalmente, após muitas reservas de ambas as partes, acertam suas diferenças.

Na transição do segundo para o terceiro ato, quando Harrer torna-se confidente do Dalai Lama do Tibete, a reencarnação de Sidarta Gautama e líder político-religioso do território, abre-se a perspectiva do conflito com a China, durante a ascensão de Mao Tsé-Tung (1893-1976), o Hitler deles, apenas superficialmente tocada por Annaud. Ainda assim, “Sete Anos no Tibet”, na Netflix, deixa de ser um relato cronologicamente desatualizado sobre nossos sonhos e como a vida os transforma em material para devaneios menos insanos, num mundo em que os homens nunca estão satisfeitos com seu destino. Para o bem e para o mal.


Filme: Sete Anos no Tibet
Direção: Jean-Jacques Annaud
Ano: 1997
Gênero: Drama/Aventura/Ação/Biografia
Nota: 9/10