Tornar-se quem se é quase sempre leva tempo, muito tempo. Mavis Gary, a protagonista de “Jovens Adultos”, ainda não sabe disso — ou faz que não sabe —, e essa é a graça do filme de Jason Reitman, um dos melhores diretores da nova geração de Hollywood, não por acaso também o xodó da estrela que brilha mais forte aqui. Charlize Theron interpreta uma ex-rainha da beleza do ensino médio em Mercury, Minnesota, que, felizmente, renega suas origens e vai para uma cidade maior, Minneapolis, conquista relativo sucesso como roteirista de séries de televisão e escritora de romances para os tais jovens adultos, leitores com idade entre dezoito e 25 anos, continua uma bela mulher e… está morbidamente infeliz.
A segunda colaboração entre Reitman e a roteirista Diablo Cody, imbatíveis em “Juno” (2007), transfere para uma mulher já dotada de certa “bagagem”, como ela diz, as agruras existenciais da personagem-título de Ellen Page (que passou a atender por Elliot depois da redesignação de gênero), fazendo um ou outro ajuste pontual no texto. Se bem ou mal Juno estava sempre cercada de quem tinha-lhe um afeto desinteressado, resolvendo-lhe os monumentais problemas que arrumava — a começar pela gravidez depois de uma brincadeira inconsequente —, Mavis é presa da solidão que a paralisa e, pior, que a atrai de volta a Mercury, depois de receber por e-mail a foto da filha recém-nascida de um ex-namorado dos tempos de escola.
Ela tolera a própria tristeza, mas a felicidade dos outros, assim, esfregada em seus olhos com tanta inocência, é um pouco demais. O fim da juventude é uma vitória. Vencer as cruentas batalhas que a vida nos impõe logo no princípio de nossa jornada no mundo demanda de cada um doses maiores ou menores de sacrifício, renúncias e privações, empreitada que nem todos estamos dispostos a bancar. Acontece que há, claro, as muitas circunstâncias em que viver mais parece um jogo, uma brincadeira de crianças travessas.
Eventos inesperados, repentinos, trágicos, tudo quanto pode haver de surpreendentemente melancólico e acerbo no fado de uma pessoa se anuncia com toda a delicadeza, como um cancro maligno no organismo até então saudável, ou cai do azul de chofre, derrubando qualquer um que lhe tente deter.
Mavis sai da cama com alguma dificuldade, escova os dentes, não penteia o cabelo, abre a geladeira, bebe Coca-Cola zero do gargalo — parece que esse é todo o seu alimento durante o dia —, serve a razão de Dolce, a lulu-da-pomerânia branca que cria, e começa a escrever um dos últimos capítulos da produção para a qual foi contratada como redatora, sem saber que também isso ser-lhe-á tirado. O apartamento é um chiqueiro, Dolce fica tantas horas confinada na varanda que late sem que ela a ouça, e no canto da tela do computador, permanece a imagem da garotinha, linda como só os bebês são, em seu gorro cor-de-rosa com macacão combinando.
Só agora ela se deu conta de que ainda consta da lista de colegas de escola, daí ter recebido notícias de gente que não lhe diz mais nada. Theron, entretanto, dá a essa criatura perigosamente angustiada e aflitiva os contornos de razão de que são feitos os psicopatas — como já conseguira em “Monster — Desejo Assassino” (2003), de Patty Jenkins — e assim fica fácil acreditar que Mavis ainda gosta mesmo de Buddy Slade, o ex-arruaceiro que liderava o time de futebol americano, hoje um respeitável chefe de família, interpretado por Patrick Wilson.
A estada para em Mercury transcorre tão bem quanto possível em circunstâncias dessa natureza. É claro que entre ela e Buddy não há mais nada, ela se convence, enfim (antes tarde que mais tarde), mas o reencontro, ou melhor, o encontro com um outro colega, uma vez que ela nunca prestara atenção nele, sustenta boa parte da trama. Matt Freehauf, o nerd nada padrão de Patton Oswalt, vem como uma espécie de anjo literalmente torto, a fim de salvar sua velha musa de si própria. Não é um novo amor, mas sem dúvida é o começo de uma grande amizade.
Filme: Jovens Adultos
Direção: Jason Reitman
Ano: 2011
Gêneros: Comédia/Thriller
Nota: 9/10