A estreia de Britney Spears no cinema, como protagonista, acaba de chegar à Netflix Divulgação / Filmco Enterprises

A estreia de Britney Spears no cinema, como protagonista, acaba de chegar à Netflix

Britney Jean Spears pode ser a namoradinha da América de mais personalidade de todos os tempos, não exatamente por suas qualidades, mas pela maneira como soube desviar-se, às custas do próprio sucesso, de uma cornucópia de situações embaraçosas que se lhe foram aparecendo ao longo de três décadas de carreira — é bem verdade que, a dada altura de sua vida, as coisas ficaram tão diabolicamente turbulentas que não houve gabinete de crise que desse jeito na avalanche de barracos da atriz, cantora, dançarina, coreógrafa e, vá lá, compositora, mas deixemos isso de lado por ora.

Preparada a ferro e fogo para ser uma estrela desde os dez anos, quando já dava pílulas de seu talento no Clube do Mickey (1992-1994), Spears estourou mesmo três anos depois, quando a Jive Records comprou seu passe em 1997. Evidentemente, “Crossroads — Amigas para Sempre” não chega ao lado B da pobre menina rica — a quem puder interessar, recomendo para isso o documentário “Britney Vs. Spears” (2021), de Erin Lee Carr, cujo título já dá uma ideia palpável da luta da estrela por sua identidade perdida, além de, claro, tentar esclarecer o enrosco de Britney e seu pai, Jamie, seu ex-empresário e ex-tutor contra quem travou uma briga pública depois de indícios de fraudes multimilionárias —, mas não faz assim tão feio, malgrado sugira um enredo de loucuras lideradas pela hoje respeitável mãe de família, pelejando para reaver seu lugar ao sol no mundo do espetáculo antes que ele se ponha de uma vez.

Experiente na direção de videoclipes e episódios de séries sobre roqueiros, a exemplo de Faith No More, Sonic Youth, Beastie Boys e Depeche Mode, Tamra Davis desperta no público uma nostalgia cuja estranheza se agrava no momento em que, involuntariamente, invadem a memória os lamentáveis registros de Britney careca, embriagada, entrando e saindo de escândalos, até cair nas mãos do pai oportunista. A Princesa do Pop segue sem um reino para chamar de seu.

Lucy Wagner, a personagem de Spears, sai da Geórgia rumo a Los Angeles com outras duas amigas, Mimi, interpretada por Taryn Manning, e Kit, de uma quase irreconhecível Zoë Saldana. No meio do caminho, se pega apaixonada por Ben, o músico vivido por Anson Mount, bonito, mas meio ensebado, que as conduz em seu Buick 1973 conversível, além de elaborar a melodia de “I’m Not a Girl, Not Yet a Woman” (“não sou mais uma menina, mas ainda não virei mulher”, em tradução livre, de 2001), a balada que se presta a fio narrativo de tudo quanto vem depois, uma redução grosseira do apelo estético-artístico de Spears à falsa importância de sua autoproclamada castidade.

Muito mais que uma aspirante a musa pop pós-adolescente que consegue manter sob controle sua libido, Lucy bota em prática conhecimentos em mecânica adquiridos talvez com Pete, o pai superprotetor de Dan Aykroyd, e detecta a avaria do Buick só de olhar por baixo do capô, tendo o condão até de estimar por quanto vai sair o conserto.

Esse é o gancho de que o roteiro de Shonda Rhimes se socorre para entrar na parte musical de “Crossroads”, mais precisamente quando Britney, ops!, Lucy, vence um concurso de caraoquê com “I Love Rock ‘n’ Roll”(1981), uma pancada na voz de Joan Jett & the Blackhearts, garantia de ótimos embalos de dez entre dez festas nos sábados à noite de quarenta anos. Spears não o público se dispersar, e até derrama uma ou outra com convicção no momento em que isso se faz necessário. É o bastante num filme tão assumidamente superficial que insiste em me lembrar que o tempo passa.


Filme: Crossroads — Amigas para Sempre
Direção: Tamra Davis
Ano: 2002
Gêneros: Comédia/Romance/Road movie
Nota: 7/10