O melhor filme de Tina Fey acaba de chegar à Netflix e vale cada centésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Paramount Pictures

O melhor filme de Tina Fey acaba de chegar à Netflix e vale cada centésimo de segundo do seu tempo

Jornalistas somos uma gente vaidosa de nosso ofício, dada a manifestações públicas de autopromoção, que devem, claro, ser acompanhadas de elogios sinceros ou nem tanto, especialmente dos colegas, que sempre querem nosso lugar, ou do chefe, cuja cadeira há de nos pertencer cedo ou tarde.

Kimberly Barker, a personagem central de “Uma Repórter em Apuros”, nunca fugiu à regra, e ao notar que os anos corriam sem que inspirasse o reconhecimento que julgava digno, tratou de meter-se na aventura mais tresloucada de sua vida, tudo por uma boa matéria — e prestígio, e celebridade, e fortuna. Barker foi uma das raríssimas correspondentes de guerra mulheres a entrarem no Afeganistão quando da ofensiva militar americana no país, entre 2001 e 2021, vivendo na carne as boas e más experiências de sua decisão.

Os diretores Glenn Ficarra e John Requa vão fundo no retrato farsesco, mas cheio de vigor, de Barker, uma mulher em busca de si mesma que usa o pretexto da carreira atrofiada para não sucumbir ao ambiente cada vez mais tóxico das redações, ainda que essa fase do plano não corra exatamente como ela supunha.

“The Taliban Shuffle: Strange Days in Afghanistan and Pakistan” (“a confusão talibã: dias estranhos no Afeganistão e no Paquistão”, em tradução literal), o livro-reportagem de Barker publicado em 2011, é adaptado pela autora e Robert Carlock de modo a frisar o caos na vida de Kim, uma mulher no princípio da meia-idade, solteira e workaholic, que se depara com o que julga a grande oportunidade de virar o jogo, ao menos no que concerne ao trabalho.

Tina Fey aparece de uma vez, sempre enriquecendo as produções em que toma parte — vem sendo assim desde o início, num jurássico 2004, quando estreou no cinema como a senhorita Norbury, a professora de matemática do chatíssimo “Meninas Malvadas” (2004), de Mark Waters, que acabou de ganhar um remake pelas mãos de Samantha Jayne e Arturo Perez Jr., do qual é roteirista —, aceitando ao cabo de uma fingida tergiversação a oferta do editor Ed Faber de Scott Takeda.

Uma festa acontece num inferninho de Cabul em 2006, a capital afegã, e essa imagem, usada num flashforward a certa altura, presta-se a eixo narrativo do filme, que, conforme o título da publicação de Barker (reforçado pelo nome original do longa, “Whiskey Tango Foxtrot”, cujas iniciais remetem àquela rude interjeição de surpresa ou desgosto), é assumidamente vesano. Ela desembarcara em Cabul em 2005 e fora conhecendo muita gente, valendo-se de sua pretensa exclusividade de gênero. Quando conhece a holandesa Tanya Vanderpoel, com Margot Robbie igualmente luminosa, pensa que está, afinal, pisando no terreno delicado e firme do que hoje se chama por sororidade.

Como se vê algum tempo depois, seu feeling para amizades é inversamente proporcional ao faro para escândalos em condições extremas. E pior ainda quando imagina poder gozar prazeres físicos enquanto aspira ao cheiro nauseante de cadáveres e esgoto a céu aberto.

Ficarra e Requa elaboram com argúcia o mote da competição intestina entre repórteres nada ingênuos, e quanto mais Kim se aproxima de Iain MacKelpie, o fotógrafo escocês de Martin Freeman, mais o espectador se prepara para assistir à debacle da anti-heroína de Fey, que escapa não sem um coração em pedaços. A parceria dos dois, distribuída ao longo de quase todos os 112 minutos, é saborosa até tornar-se repulsiva no desfecho, que os diretores torcem a favor de Kim. A guerra fica menos abominável com Tina Fey.


Filme: Uma Repórter em Apuros
Direção: Glenn Ficarra e John Requa
Ano: 2016
Gêneros: Guerra/Comédia
Nota: 9/10