O thriller instigante com Nicolaj Coster-Waldau, na Netflix, que vale cada segundo do seu tempo Divulgação / Pandastorm Pictures GmbH

O thriller instigante com Nicolaj Coster-Waldau, na Netflix, que vale cada segundo do seu tempo

O pulo do gato em “Caça Mortal” é a forma como Robin Pront conta a história de Rayburn Swanson a partir de sua derrocada. A simpatia do público pelo personagem de Nikolaj Coster-Waldau é um reflexo imediato da dialética de sua natureza maldita, que sobressai junto a seu bom-mocismo torturante. Se por um lado, a autorrejeição por quem se tornara nunca mais há de abandoná-lo — e ele o sabe —, seu instinto de sobrevivência não lhe permite apenas se entregar, uma das razões que o levam a aderir à causa nobre que dá azo ao argumento central do filme. Conformado em passar a vida que lhe sobra encerrado no paraíso bastante melancólico que o rodeia, Rayburn só começa a despertar da letargia de que nem se dava conta no momento em que percebe que outra família enfrenta drama semelhante àquele que o atirou para o limbo de sua própria existência, e se ele suportou tamanho castigo por um tempo que parece conter toda a eternidade, pode haver quem não disponha de toda essa resiliência, de todo esse pendor para o sofrimento mudo. De qualquer modo, se não por genuína noção de empatia, mas sacudido por um abalo de consciência forte o bastante para perturbá-lo ainda mais, o protagonista assume a grandeza de um anti-herói destemido como poucos, que torna à vida pelos braços da morte.

O deslizar da câmera por sobre o rio azul turquesa que singra por um vale de coníferas perde qualquer traço de lirismo quando o ângulo fecha e nota-se um ponto vermelho no centro das águas. Um corpo desce pelas corredeiras, e esse é o gancho do roteiro de Micah Ranum de que o diretor se vale a fim de elaborar as generalidades e as idiossincrasias de Rayburn, proprietário e guardião do Santuário da Vida Selvagem Gwen Swanson, em homenagem à filha assassinada há alguns anos. Sua dedicação à natureza fede a oportunismo e hipocrisia para muita gente, a exemplo dos irmãos que entram em seus domínios sem convite — e para derrubar alces —, e essa primeira sequência já poderia ter redundado em tragédia, não fosse seu inesperado sangue frio para questões realmente abrasivas. Movimenta-se em paralelo a trama de Alice Gustafson, que apesar do nome nasceu e se criou na região, junto com Brooks, o irmão problemático, de Hero Fiennes Tiffin. Despretensiosa, mas original e bem encaminhada, a xerife vivida por Annabelle Wallis está sempre muito perto de sucumbir ao cansaço físico e ao esgotamento nervoso devido às arruaças de Brooks, mas também pelas mortes sem solução com que o condado vem tendo de lidar. Quando um novo homicídio ameaça seriamente sua reeleição, Rayburn atravessa o caminho dessa mulher cansada de si mesma, com óbvios benefícios para ambos — e para as pendências de ontem e de hoje. 

Pront elabora as oscilações de temperamento do antimocinho de Coster-Waldau à larga, e usa de igual destreza ao trabalhar as idas e vindas do personagem no tempo da narrativa, sem deixar para trás a heroína de Wallis. Os dois, como se espera, chegam à solvência do caso, querendo o desfecho que cada um julga mais adequado para o criminoso, mas numa harmonia imanente. A partir de então, esse homem decerto achará outro norte para si, com o passado no lugar mais justo.


Filme: Caça Mortal
Direção: Robin Pront
Ano: 2020
Gêneros: Crime/Suspense
Nota: 8/10