Fenômeno de bilheteria com John Cusack, na Netflix, é um passeio imperdível em uma montanha-russa de emoções Divulgação / Columbia Pictures

Fenômeno de bilheteria com John Cusack, na Netflix, é um passeio imperdível em uma montanha-russa de emoções

O apocalipse, como todos sabemos, incita a curiosidade de qualquer um que perceba correr em suas veias ao menos uma gota de sangue que não tenha sido maculado pela indiferença com as causas que preocupam — ou deveriam preocupar — todo o mundo. Um grande perigo desse jaez materializou-se quando da eclosão da pandemia de covid-19, mal com que teremos de conviver para o resto da eternidade, seja lembrando quem tombou pelo vírus, seja receando sua volta sob as tantas e imprevisíveis mutações, deixando claro que não é exatamente paranoia temer inimigos ocultos. Roland Emmerich é uma grife no que respeita a produções sobre monstros e hecatombes que ameaçam nossa vidinha singular. Diretor de arrasa-quarteirões a exemplo de “Independence Day” (1996), “Godzilla” (1998), “O Dia Depois de Amanhã” (2004) e “Independence Day: O Ressurgimento” (2016), em “2012” o alemão galvaniza a neurose e o perfeccionismo que o fizeram multimilionário — embora se sinta um certo descompasso temporal. Parece constar do roteiro do diretor e Harald Kloser alguma urgência em devastar tudo quanto a humanidade levou dois milênios para erigir — e não incluo também o que a natureza criou por sua própria conta porque sei, amparado pela lógica e pela ciência, que florestas, mares, o solo e toda a fauna voltariam infinitamente mais fortes ao cabo de pouco tempo (e o que é melhor: com a certeza da ausência do homo sapiens, quiçá de uma vez por todas). “2012” foi lançado no Brasil em 13 de novembro de 2009, ou seja, o diretor e seu corroteirista queriam sua catástrofe para ontem, e a tiveram do jeito mais irrepreensível. Mas que ninguém acuse “2012” de sisudo ou excessivamente dramático.

Após esse contato com o que há de mais profundo, com o que há de mais obscuro e assustador em nossa própria essência, aumentam as chances de nos perdermos na complexidade maravilhosa e sufocante de nossa humana — e, por óbvio, restrita — condição, e em paralelo a esse dispendioso processo, contínuo, lento, sem fim, derrubarmos a meia parede que separa o real da fantasia, um território que, ao passo que é feito de magia e de lirismo singelo, permite que floresça o desvario em estado bruto. Assim, toca a natureza do milagre eventos em que homens comuns protagonizam iniciativas às quais poucos se apercebem logo que começam a tomar corpo, mas que, apesar das contingências e dos obstáculos, vão se espalhando, frutificam, prosperam, até que ao resto do mundo só caiba reconhecer a grandeza desses heróis improváveis, sujeitos exasperantemente comuns que se investem — de um jeito bastante desonesto — do epíteto de filantropos. O texto de Emmerich e Kloser tem passagens verdadeiramente luminosas, nada a ver com a desconstrução de Jackson Curtis, o herói nerd de John Cusack, acossado por Kate, a ex-mulher um tanto megera de Amanda Peet, e respondendo bravamente ao desafio de educar crianças num mundo que está, de fato, à beira do precipício em aspectos pouco menos óbvios. A interação de Curtis, escritor meio picareta de livros de ficção científica padecendo de uma crise da meia-idade sentida em todos os seus contornos mais aflitivos justamente por causa do fracasso profissional, com Adrian Helmsley, o cientista vivido por Chiwetel Ejiofor, esse, sim, genial, mas igualmente eclipsado por desastres íntimos, é, categoricamente, o que arrasta o público para as doidices tecnológicas executadas ao longo de mais de duas horas e meia de uma história cíclica, que lhe demanda concentração e alguma boa vontade. Do mesmo modo, as metáforas bíblicas e referências ao livro do Gênesis, com o Noah de Liam James comandando uma imensa arca (!) não chegam nem a arranhar a superioridade expositiva de Woody Harrelson como Charles Frost, um daqueles radialistas ensebados e bem afetos ao sensacionalismo raiz, hoje rebatizado de fake news, de que a América profunda tanto gosta.


Filme: 2012
Direção: Roland Emmerich
Ano: 2009
Gêneros: Ficção científica/Ação/Aventura
Nota: 8/10