Você precisa assistir: adaptação indiana de Forrest Gump está na Netflix Divulgação / Netflix

Você precisa assistir: adaptação indiana de Forrest Gump está na Netflix

Os sonhos são a forma que o organismo encontra de se defender das agressões do mundo que cerca espíritos leves e, portanto, mais vulneráveis a tudo quanto pode haver de tão perverso na vida. Há pessoas cuja alma parece estar sempre querendo sair do corpo, ou por uma irrequietação quase pueril, de criança que não admite ser repreendida, ou por medo de sentir-lhe o tempo escapar sem que tenha conseguido viver tudo. Nas sequências iniciais de “Laal — O Contador de Histórias”, o espectador mais versado nos grandes enredos de Hollywood sente de pronto um déjà vu que cresce, indicando que há alguma coisa fora do ordinário, até que a história fica mesmo parecida demais com um sucesso do cinema americano. Advait Chandan vai além da mera duplicata daquele outro filme que registra o caminho de perdas e conquistas daquele outro guardião de suas próprias memórias.

“Forrest Gump” (1994), o drama de Robert Zemeckis, fica cada vez mais presente no roteiro de Atul Kulkarni depois que aquela peninha alva brota das nuvens e desce flutuando até a rudeza do chão, enxotada por uma vassoura e atropelada por um trem. Dentro de um dos vagões, está um homem de barba hirsuta e turbante rosa claro, com uma caixa laranja no colo e um par de tênis imundos nos pés. Ele puxa conversa com a passageira do assento da frente, com Aarya Sharma na heroica posição de dar a justa medida de tensão e doçura a essa mulher anônima, sem saber se responde a seu cumprimento entre muxoxos e a cabeça baixa de embaraço.

A graça de “Laal”, cujo personagem-título nunca se dá conta dos imbróglios que provoca, como se fosse recém-chegado de um planeta bem distante, vem em pílulas. O primeiro grande choque do protagonista é constatar que a moça rejeita suas golgappas, os quitutes típicos que guarda na tal caixa, ao contrário do que acontece com os chocolates de Tom Hanks no filme de Zemeckis, oferecidos por Forrest a uma estranha num ponto de ônibus.

Aamir Khan replica o humor trágico de “PK”, a comédia pontuada por laivos de ficção científica dirigida por Rajkumar Hirani, revivendo a piada dos tênis, enfatizando a exótica importância que a finada mãe de Laal dava a esses acessórios, sabendo exatamente que os seus estão em condição de miséria. Esse é o gancho de que Kulkarni se socorre para começar a contar sobre o amor do anti-herói de Khan pela corrida, aludindo a um tal sortilégio que o enfeitiça quando os calça.

No meio do segundo ato, aparece com mais força o passado desse prosador do Oriente, anos mais novo e conversando com um sujeito ainda mais desgrenhado do que ele hoje, e maltrapilho, numa mesa de bar na noite de Ano Novo. Essa é, decerto, a sequência mais marcante de “Laal — O Contador de Histórias”, um homem em busca do que poderia ter sido, ainda mais nostálgico que seu homólogo no longa de três décadas atrás.


Filme: Laal — O Contador de Histórias
Direção: Advait Chandan
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10