Domar o esplim cotidiano de um mortal como outro qualquer fazendo disso um negócio rentável, e ter o senso de missão cumprida por ajudar gente paralisada por uma torturante desilusão a readquirir o gosto por viver. Ray Moody, o personagem central de “Take Me”, jacta-se abertamente de ter conquistado tal fama, mas nesse caminho de sucesso se insurge uma pedreira difícil de ser dinamitada. Pat Healy, o diretor-protagonista, dá a esse homem suas boas doses de inadequação para com o mundo, de acrimônia, de revolta diante da miséria fundamental de sua própria vida. Sua apresentação patética, o semblante aparvalhado circunscrito por uma peruca que sempre vira o centro das atenções, é a tradução perfeita do quão falso se foi tornando. Moody toca um negócio que ele mesmo inventou, a Kidnap Solutions, especializado em sequestrar indivíduos a seu próprio mando e, em consequência de um trabalho de investigação profissional devotada, achar seus pontos fracos, seus temores, as mentiras que nunca veem a luz do sol, e aterrorizá-los despejando-lhes em cima toda essa sujeira. E ele é muito bom nisso: no quarto que faz as vezes de escritório, uma parede é revestida com as fotos de seus clientes-reféns, tiradas ainda no cativeiro. Loucura? Sim, é inegável que haja uma mancheia de psicopatia de parte a parte, mas o roteirista Mike Makowsky sofistica o argumento do bobalhão triste primeiro trazendo à cena a figura de Natalie, a irmã vivida por Alycia Delmore — isto é, Moody não é exatamente um solitário. Depois, quando a trama aperta seu eixo e o conflito começa a ser destrinchado, nota-se que ele não é mesmo tão autossuficiente quanto se poderia imaginar.
A Kidnap Solutions recebe a ligação de Anna St. Blair, e a partir de então a vida de seu proprietário nunca mais será a mesma. Bonita, endinheirada, bem-sucedida no comando de uma megaempresa, a personagem de Taylor Schilling está interessada nos serviços de Moody, muito mais para realizar uma fantasia do que para gozar de incentivo quanto a concluir metas pessoais, como se assiste na última cena. Aqui, o texto de Makowsky explora nuanças um tanto mais obscuras do temperamento do sequestrador profissional, que só faz o que faz, ele insiste em pontuar, porque, além da boa remuneração, gosta de saber que foi útil para que seus contratantes religassem um lado em si mesmos que parecia extinto de uma vez por todas. Ele não é nenhum sádico, ou um pervertido sexual, como Anna decerto pensa a seu respeito; de qualquer forma, aceita a encomenda, já que não é todo dia que se ganha cinco mil dólares num piscar de olhos. Doravante, a questão é saber até onde ela pretende chegar, e Healy acerta em cheio ao colocar seu anti-herói e o espectador sob igual perspectiva, ou seja, por mais lógicas que as inferências se apresentem, não se pode afirmar que a refém é quem diz ser, ou se ao menor descuido de seu algoz, vai dar um basta àquele jogo e clamar por ajuda — o que efetivamente acontece. Assim, “Take Me” funciona como um thriller de condução assombrosamente persuasiva, engraçado e, o mais importante, crível, como a vida, fonte majestosa de que jorram absurdos para todos os paladares.
Filme: Take Me
Direção: Pat Healy
Ano: 2017
Gênero: Comédia/Crime
Nota: 8/10