Para os românticos incuráveis: filme emocionante na Netflix vai te lançar do sofá às estrelas Mark Fellman / Netflix

Para os românticos incuráveis: filme emocionante na Netflix vai te lançar do sofá às estrelas

Vivenciar um amor que se reveste de uma aura de eternidade nas minudências do dia a dia é um privilégio de que poucos usufruem, e por essa mesma justificativa é uma perversidade tentar ignorá-lo. Elizabeth Allen Rosenbaum faz de seu “Continência ao Amor” uma ode sem grandes pretensões ao mais humano dos sentimentos, que quando é genuíno torna-se capaz de redimir todo o mal em sua naturalidade salvífica. A diretora lança mão de uma ideia a que se recorre à farta, mas ainda assim poderosa — a do amor invencível, sobretudo em tempos de guerra — para defender o comportamento de seus protagonistas ao longo do filme, adaptação do romance homônimo da escritora Tess Wakefield. Logo no princípio da trama, vertida para as telas a partir do texto de Kyle Jarrow e Liz W. Garcia, resta patente o objetivo de Rosenbaum de tomar a modalidade de amor (ou da promessa de amor) exposta no livro de Wakefield exatamente de acordo com a maneira pela qual se torna concreto: bem nas primícias, sem nenhuma solidez, algo como um bicho recém-nascido, quase natimorto, que parece liquefazer-se nas mãos descuidadas de quem o considera um atravanco, um desvio de padrão e, quiçá, um risco, intimidadora mas cheia de suas tropelias de sedução.

Anônima ilustre para quem já embicou pelos trinta e além, a cantora e atriz Sofia Carson, invenção da Disney, cumpre o que se espera dela — o que não chega a ser nenhum elogio. Sua Cassandra, a Cassie, é a típica material girl, ousada e com apetite de vitória, predicados que eternizam as mocinhas de clássicos como “Uma Secretária de Futuro” (1988), de Mike Nichols (1931-2014). Meio venenosa em sua busca por um lugar ao sol na carreira musical enquanto dá duro como garçonete num pub de Austin, capital do Texas, sul dos Estados Unidos, ela constata ser portadora de um tipo de diabetes agressiva, que consegue tratar à custa de remédios que vão lhe deixando cada vez mais impossibilitada de honrar compromissos como o pagamento do aluguel, até não ter mais o bastante sequer para a medicação. Ao saber que militares enviados à guerra têm direito a cobertura médica especial, lembra-se do amigo interpretado por Chosen Jacobs e lhe dirige a oferta que ancora o enredo, prontamente recusada. Luke, o fuzileiro naval vivido por Nicholas Galitzine, se inteira dos planos da moça e se oferece seus préstimos, não por espírito caridoso, mas para dar termo à cobrança de um benefício destinado a praças casados recentemente. Prestes a embarcar para o Iraque, Luke tem de começar a quitação da fatura ainda em solo americano, ou sua família será alvo de inimigos perigosos.

O filme tem seu quê de perturbador ao insinuar, muito levemente, que não há santos aqui, emulando casamentos tumultuosos que não raro descambam em violência física ou abuso psicológico e desabrida paranoia, puxando em alguma medida ao que se assiste no brilhante “Uma Mulher sob Influência” (1974), dirigido por John Cassavetes (1929-1989), com o sinal trocado quanto aos gêneros. “Continência ao Amor” não é brilhante, não quer se parecer com Cassavetes (e nem poderia), mas como narrativa romântica acaba bem, trabalhando a contento os percalços da ambivalente Cassie e o desditoso Luke. É o que basta.


Filme: Continência ao Amor
Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum
Ano: 2022
Gênero: Romance/Drama
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.